“O Decreto nº 7.107, de 11 de fevereiro de 2010, promulgou o Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Santa Sé, relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, firmado na Cidade do Vaticano, em 13 de novembro de 2008. Por meio deste, considera-se a Santa Sé como suprema autoridade da Igreja Católica, regida pelo Direito Canônico.
A Igreja Católica, por sua vez, possui subdivisões denominadas instituições eclesiásticas, nos termos do art. 3º, do Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, in verbis:
“A República Federativa do Brasil reafirma a personalidade jurídica da Igreja Católica e de todas as Instituições Eclesiásticas que possuem tal personalidade em conformidade com o direito canônico, desde que não contrarie o sistema constitucional e as leis brasileiras, tais como Conferência Episcopal, Províncias Eclesiásticas, Arquidioceses, Dioceses, Prelazias Territoriais ou Pessoais, Vicariatos e Prefeituras Apostólicas, Administrações Apostólicas, Administrações Apostólicas Pessoais, Missões Sui Iuris, Ordinariado Militar e Ordinariados para os Fiéis de Outros Ritos, Paróquias, Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica.
§ 1º. A Igreja Católica pode livremente criar, modificar ou extinguir todas as Instituições Eclesiásticas mencionadas no caput deste artigo.
§ 2º. A personalidade jurídica das Instituições Eclesiásticas será reconhecida pela República Federativa do Brasil mediante a inscrição no respectivo registro do ato de criação, nos termos da legislação brasileira, vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro do ato de criação, devendo também ser averbadas todas as alterações por que passar o ato” (g.n.).
Referido artigo trata da personalidade jurídica da Igreja Católica e de suas Instituições Eclesiásticas, sendo que sua leitura permite duas conclusões:
i. o reconhecimento da personalidade, nos moldes do direito canônico e;
ii. reconhecimento da personalidade jurídica, mediante inscrição no respectivo registro do ato de criação, nos termos das leis brasileiras.
Observa-se, ainda, que a Igreja Católica (por meio da Santa Sé que a representa) pode livremente criar, modificar ou extinguir todas as referidas Instituições Eclesiásticas (art. 3º, § 1º, do Estatuto)”.
“Pode-se afirmar que a Igreja Católica é uma instituição eclesiástica única, secular e histórica. Tais características a tornam sui generis, justificando diversas peculiaridades e prerrogativas, tal como o fato de remanescer a cobrança do laudêmio pela Igreja Católica até os dias de hoje, não obstante a enfiteuse não mais possa ser constituída.
A Igreja Católica, em que pese a peculiaridade de sua caracterização jurídica (pelos motivos já apontados), assume a titularidade de posições jurídicas em situações correntes da ordem jurídica, como a relação de propriedade. Questiona-se, então: se uma Diocese, por exemplo, acaba por desmembrar-se, originando nova(s) diocese(s), como isso poderá afetar os bens eclesiásticos?
O Cânon 1.257, § 1º, dispõe que são bens eclesiásticos todos aqueles temporais pertencentes à Igreja Universal, à Sé Apostólica ou às outras pessoas jurídicas públicas da Igreja, sendo regidos pelos cânones seguintes e pelos estatutos próprios.
A propriedade desses bens é da Igreja Católica, una, e não desta ou daquela divisão eclesiástica. Sendo assim, não haverá uma transferência de domínio, mas apenas um deslocamento da autoridade administrativa. Não existe, dentro da Igreja, uma movimentação dominial. Essa possibilidade existe apenas quando bens novos são integrados ao patrimônio da Igreja, ou saem desse patrimônio.
A forma de acolher, em âmbito registral, a transferência da administração sobre os bens é a averbação. No exemplo da diocese, será o caso de fazer averbar nas matrículas dos imóveis daquela circunscrição territorial, destacada da anterior, a própria Bula Papal instituidora da nova diocese.
Já se encontram casos assim na jurisprudência, e o Oficial do Registro de Imóveis deve ficar atento: não poderá exigir um título para a transferência dominial, pois esta simplesmente não existe, neste caso. O problema é que, em muitas situações, a Diocese consta no registro como titular da propriedade. Este é um erro que, apesar de compreensível, precisa ser superado. Repita-se: a titularidade do domínio é da Igreja Católica.
Não será possível, portanto, exigir uma escritura pública como título para uma transferência que simplesmente não existe. Embora tal ato não signifique a transmissão imobiliária, pois os imóveis são da própria Igreja Católica, e não da diocese, tal ocorrência deve ser lançada no fólio real, mas dispensa a lavratura de escritura pública, justamente por não se tratar de transmissão da propriedade em favor de outrem.
A criação da nova diocese comprova-se pelo documento instituidor, emitido pela autoridade própria: a Bula Papal. A nova demarcação eclesiástica traz consigo uma nova administração para os bens que ali se encontram, o que justifica perfeitamente que se faça averbar nas matrículas desses bens a conformação mais recente. A Bula Papal é considerada autêntico ato de império, através do qual a Administração, por meio do Chefe de Estado da Cidade do Vaticano, estabelece determinações de caráter cogente, sempre em consequência de seu poder político e jurídico. A Bula Papal reflete a manifestação livre e soberana do Sumo Pontífice, autoridade eclesiástica competente.
As Dioceses, por sua vez, integram a Igreja Universal Católica, que é voltada para as regras fundamentais do Código de Direito Canônico. Este rege as questões atinentes à Igreja Católica, ao lado do ordenamento jurídico brasileiro e das convenções internacionais. Daí afirmar-se que a bula papal figura como documento autêntico para reportar a transferência entre dioceses, tornando desnecessária a escritura pública.
Em suma, a inscrição no fólio real da transferência da administração dos imóveis, bem como do direito de disposição e oneração dos mesmos em razão da criação ou transferência para outra ou nova diocese, opera-se por simples averbação, pois não se trata de mutação jurídico-real. Embora não haja previsão específica no rol do inc. II do artigo 167 da Lei nº 6.015/1973, recorde-se tratar-se de rol numerus apertus, admitindo a averbação de todas as sub-rogações e outras ocorrências que, por qualquer modo, alterem o registro, ainda que não expressamente elencadas”.
Fonte: KÜMPEL, Vitor Frederico et. al., Tratado Notarial e Registral vol. V, Tomo I, 1ª ed, São Paulo: YK Editora, 2020, p. 493/495.