Breves considerações sobre o Provimento n.º 107 do CNJ

Vitor Frederico Kümpel e Natália Sóller

 

O recentíssimo Provimento n.º 107 do CNJ, do dia 24 de junho de 2020, determinou em seu art. 1º a proibição da cobrança “de qualquer valor do consumidor final relativamente aos serviços prestados pelas centrais registrais e notariais, de todo o território nacional, ainda que travestidas da denominação de contribuições ou taxas, sem a devida previsão legal”.

Em melhores termos, está vedada a cobrança de emolumentos da população pela utilização das centrais eletrônicas da atividade notarial e registral enquanto inexistir previsão legal.

Inicialmente, destaca-se que não há um problema no Provimento em si. A referida norma se originou do Pedido de Providência n.º 3703-65.2020.2.00.0000, respeitando, portanto, o procedimento necessário à sua criação, e o disposto no art. 1º nada mais fez do que exteriorizar o princípio da legalidade.

Contudo, não se trata, aqui, de um simples respeito ao procedimento e ao princípio, mas sim de uma questão de bom senso, baseada na correspectividade.

Kelsen já explicava em sua obra “Teoria Pura do Direito” que direitos e obrigações caminham juntos, ou seja, sempre que se estabelecer um direito a um indivíduo, consequentemente será estabelecida uma obrigação correspectiva. É impossível desvinculá-los, na medida em que, dentro de uma sociedade, o direito de um indivíduo é o dever de outro e vice-versa[1]. Assim, a correspectividade significa que, toda vez que se atribui um direito a alguém, automaticamente se lhe imputa uma obrigação.

Aplicando-se a teoria de Kelsen à disposição do Provimento n.º 107 do CNJ, pode-se dizer que o direito dos cidadãos de ter concretizada a publicidade com o acesso fácil às informações das serventias notariais e registrais é o dever do Estado de fornecer as centrais eletrônicas para a prestação desse serviço. Em contrapartida, não seria o dever do cidadão de pagar uma taxa para ajudar a custear essas plataformas?

Como se pode exigir que o serviço seja prestado de forma totalmente gratuita enquanto as notas e os registros têm um custo considerável para manter as centrais eletrônicas? A determinação do Provimento n.º 107 pode causar uma situação de escassez de recursos financeiros para a manutenção das plataformas e a consequente não prestação dos serviços por meio delas.

Além disso, é importante relembrar que, no estado de São Paulo, a Lei n.º 11.331/2002, sobre custas e emolumentos, dispõe, em seu art. 10[2] que a cobrança de emolumentos por atos praticados poderá ocorrer mesmo sem existir previsão normativa, desde que haja autorização da Corregedoria Geral da Justiça (autorização essa, inclusive, que já existe no estado com relação às centrais).

Deve-se, então, sempre ter em mente o seguinte pensamento: as coisas boas, infelizmente, custam caro em termos financeiros, contudo, esse “caro” é compensado pela contraprestação de um serviço com qualidade, firmando-se, assim, a correspectividade.

 

[1] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª ed.. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 140 e ss.

[2] Artigo 10 – Na falta de previsão nas notas explicativas e respectivas tabelas, somente poderão ser cobradas as despesas pertinentes ao ato praticado, quando autorizadas pela Corregedoria Geral da Justiça.

 

Como citar este artigo:

KÜMPEL, Vitor Frederico; SÓLLER, Natália. Breves considerações sobre o Provimento n.º 107 do CNJ. Portal VFK/YK, São Paulo, 26 jun. 2020. Disponível em: <https://vfkeducacao.com/portal/breves-consideracoes-sobre-o-provimento-n-o-107-do-cnj/>. Acesso em: 00 jan. 0000

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