Quais são os efeitos da filiação?

Os efeitos da filiação são divididos em: (i) poder familiar; (ii) responsabilidade civil e (iii) guarda.

 

1.      PODER FAMILIAR

“O poder familiar é um poder-dever atribuído aos pais visando à proteção, boa criação, educação e gerência patrimonial dos filhos, enquanto incapazes. O foco atual do poder familiar não se encontra mais no poder atribuído aos pais, mas sim no melhor interesse do filho.”

“No que se refere à pessoa dos filhos, o art. 1.634 do Código Civil enumera os deveres e direitos que os pais devem observar. Dentre eles, destacam-se: manter os filhos sob sua companhia e guarda, representá-los, criá-los e educá-los, bem como consentir que casem, quando estiverem no período entre dezesseis e dezoito anos.

Quanto aos bens dos filhos, o art. 1.689 do Código Civil determina quais são as atribuições dos pais. Além do poder de administração geral sobre os bens dos filhos menores, os pais detêm o usufruto legal sobre bens dos filhos[1] e podem adquirir bens em nome deles, muito embora não possam alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis do menor sem autorização judicial, nem ultrapassar os limites da simples administração[2].

Assim, apesar de atribuído aos pais o dever de administração dos bens dos filhos, a alienação depende de autorização judicial para evitar que haja dilapidação dos bens dos menores. A aquisição, por outro lado, sendo ato benéfico, não depende de autorização judicial, salvo se for onerosa, como seria no caso da existência de pagamento de prestações periódicas.

O que tem se admitido é a possibilidade de os pais doarem numerário aos filhos e, na mesma escritura pública, adquirirem onerosamente bens já em nome dos filhos sem depender de alvará judicial. Em outras palavras, caso os pais venham a adquirir imóveis em nome dos filhos, com o dinheiro dos filhos, será imprescindível alvará judicial.”

2.      RESPONSABILIDADE CIVIL

“Decorre da filiação a responsabilidade dos pais pelos atos danosos ou reprováveis dos filhos que estiverem em seu poder e companhia. O fundamento básico dessa responsabilidade é o inerente poder dever dos pais de direção e vigilância sobre os filhos menores, aliado ao dever de formação, de educação dos filhos. Essa responsabilidade é principaliter e normativa.”

3.      GUARDA

“A guarda é o vínculo jurídico que decorre do poder familiar e visa a proteção dos filhos e a responsabilização dos pais pelo harmônico desenvolvimento dos menores e incapazes.

Apesar de historicamente ínsita ao poder familiar, a guarda se manifesta de forma mais clara no contexto da dissolução do casamento, da união estável ou de outra entidade familiar.

A guarda vem inserida no Capítulo XI do Código Civil, que disciplina a proteção da pessoa dos filhos. Inovando o direito de família, a Lei nº 11.698/2008 revogou os arts. 1.583 e 1.584 do Código Civil, para introduzir a guarda compartilhada em nosso sistema[3], como alternativa à guarda unilateral[4].

Não obstante a inovação legal, por força da sua inefetividade, editou-se a Lei nº 13.058/2014, instituindo a guarda compartilhada compulsória, nos seguintes termos: “Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor”[5].

Guarda compartilhada, em suma, é aquela exercida de forma solidária por ambos os pais, que não vivam sob o mesmo teto, em face dos filhos comuns. Atualmente, a guarda compartilhada é não apenas preferencial, mas obrigatória em nosso sistema. O filho poderá residir nos dois lares ou em um deles, conforme seja mais conveniente para sua criação, e as tarefas de cuidado serão distribuídas convencionalmente entre os pais[6].

Sendo a guarda compartilhada a regra, esta só não será concedida quando um dos genitores expressamente declarar não desejar a guarda, ou quando esta representar um malefício ao filho, considerando que a atribuição da guarda deve pautar-se sempre pelo melhor interesse do filho menor.

Mesmo no regime de guarda unilateral, o pai não detentor da guarda não se desincumbe de zelar pelos interesses do filho, os quais deve, com efeito, supervisionar. A lei, nesse sentido, estabelece medidas que podem ser tomadas pelo genitor não-guardião, para fins de supervisão dos interesses do filho, como a solicitação de informações e a prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações concernentes à saúde física e psicológica e à educação de seus filhos[7].

Importante frisar que, muito embora a guarda decorra, historicamente, do poder-dever familiar, sendo diretamente, nessa acepção, ligada à relação de filiação, o ECA contempla outras causas para sua constituição, tendo sempre em vista o melhor interesse da criança e do adolescente. Existem hoje as chamadas guardas de fato, além da guarda da família substituta[8].”

 

Fonte: V.F. Kümpel, C.M. Ferrari, Tratado Notarial e Registral: Ofício de Registro Civil das Pessoas Naturais, 1ª ed., v. 2, São Paulo, YK, 2017, pp. 501-505.

 

[1]     Vale lembrar que, no caso de indignidade, a pessoa que perde direitos sucessórios sobre um bem perde também o usufruto legal sobre eles, caso se destinem aos seus filhos, cf. art. 1.816, parágrafo único, do CC/2002.

[2]     Art. 1.691 do CC/2002: “Não podem os pais alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz. (…)”

[3]     Enunciado nº 101 do Conselho de Justiça Federal (CJF), aprovado na I Jornada de Direito Civil: “Sem prejuízo dos deveres que compõem a esfera do poder familiar, a expressão ‘guarda de filhos’, à luz do art. 1.583, pode compreender tanto a guarda unilateral quanto a compartilhada, em atendimento ao princípio do melhor interesse da criança”.

[4]     Art. 1.583 do CC/2002: “A guarda será unilateral ou compartilhada. § 1º Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.”

[5]     Art. 1.584, § 2º, do CC/2002.

[6]     Além do requerimento em ação de dissolução de vínculo conjugal (separação, divórcio ou dissolução de união estável) ou sua cautelar, a nova legislação amplia a possibilidade de o Juiz decretar a medida conforme particularidades da situação do filho. Assim, o art. 1.584, II, do CC/2002: “A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser (…) II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe”.

[7]     Art. 1.583, § 5º, do CC/2002: “A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos.”

[8]     Art. 28 do ECA: “A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei.”

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