O que é o Embrião Humano?

Conceito

“Com os avanços da engenharia genética, a humanidade deparou-se com a concreta e inédita[1] possibilidade de concepção de um ser humano in vitro[2], o que gerou profundos impactos não apenas no mundo científico, como também nas esferas jurídica e ética.

De fato, se por um lado a fertilização extracorpórea representou um grande avanço nas técnicas de reprodução assistida, possibilitando a concepção a milhares de casais com problemas de fertilidade, por outro suscita, até hoje, importantes questões relativas à proteção dos embriões.

Em abordagem biológica, o embrião pode ser definido como uma célula, ou grupo de células, vocacionada à vida humana autônoma. Em outras palavras, o embrião é capaz de, desde que fixado em ambiente adequado, se desenvolver como humano. Sendo assim, o embrião se forma na fecundação, pois é a partir desse momento que se cria uma nova célula com o código genético humano, formada pela fusão dos gametas feminino e masculino. Esse novo ser, através da nidação, fixa-se na parede uterina e encontra as condições propícias para seu desenvolvimento.

Ao se possibilitar a fertilização do óvulo fora do útero materno, não obstante, criou-se uma situação diversa: a do ser que, apesar de já concebido, não se encontra em desenvolvimento celular, pois ainda não foi implantado, e pode ser que nem venha a sê-lo.

Neste caso, tem-se um grave problema ético, na medida em que há um ser humano próprio, com todas as suas potencialidades, que pode até ser tido pelo direito como pessoa – tal como o fazem os defensores da teoria concepcionista –, mas que também pode não vir a existir. É o caso dos embriões pré-implantados, em geral crioconservados, e em muitos casos sem qualquer perspectiva de virem a ser transferidos ao ventre materno e, portanto, de se desenvolverem.

Sendo assim, o embrião não se enquadra com precisão no conceito de nascituro, já que não está em desenvolvimento celular (e pode nunca chegar nesse estágio), mas já foi concebido. Portanto, não é contemplado no artigo 1.798 do Código Civil de forma plena. Por outro lado, o embrião aproxima-se, de certa forma, da filiação eventual, por seu caráter remoto, mas com ela não se confunde, tendo em vista não ser mera ficção, mas um ser já concebido, restando necessária sua desenvoltura celular em progressão[3]”.

Natureza Jurídica

“Não há consenso no que tange à natureza jurídica do nascituro, nem quanto à fundamentação dos direitos a que faz jus. Não obstante, é certo que o ordenamento jurídico brasileiro dispende certa proteção jurídica ao nascituro, como, por exemplo, o direito à vida, à integridade física, ao nome, e outros de natureza imaterial.

O problema encontra, hoje, dimensões ainda mais profundas e polêmicas no caso da reprodução in vitro, que traz à tona a questão da natureza jurídica do embrião pré-implantado[4].

A dificuldade em se definir com clareza a natureza jurídica do embrião gerou uma lacuna na sua proteção, abrindo brechas para o embrionicídio[5], a experimentação e manipulação genética de embriões, e a produção de um número desnecessário de embriões para a fecundação assistida, gerando um excedente fadado ao congelamento[6] ou utilização em finalidades não procriativas, como fins industriais e cosméticos[7]”.

Tutela

“A tutela dos embriões varia conforme tenham sido, ou não, implantados. Ora, uma vez implantados no útero materno, onde encontram as condições propícias para o desenvolvimento celular, o embrião torna-se feto, ou seja, inicia sua fase gestacional, e passa a ser considerado nascituro[8], gozando da proteção deferida a este, haja vista a impossibilidade de se estabelecer distinções quanto a direitos e deveres baseadas na origem da filiação.

Assim, uma vez ambientado no útero materno, o embrião, tenha sido ele gerado de modo natural ou artificial, passa a gozar dos direitos reconhecidos ao nascituro, o que reconduz, novamente, à discussão doutrinária que circunda a questão da natureza jurídica desse ente. Em que pese as dissonâncias reinantes na matéria, a tendência atual é assegurar ao nascituro uma proteção jurídico-fundamental objetiva, ou seja, um patamar protetivo mínimo, de base constitucional, independentemente do reconhecimento ou não de personalidade jurídica nos termos civis[9].

Muito embora não subsista qualquer diferenciação ontológica entre o feto proveniente de inseminação artificial e o feto derivado da fertilização in natura, sucede que, na medida  em que o primeiro implica uma dissociação entre a concepção (ocorrida in vitro, com material genético que pode ou não ser dos pais titulares do projeto familiar)e a gestação (que pode ou não ser feita pela mãe titular do projeto familiar), impede a aplicação direta das presunções de maternidade e paternidade, acarretando determinados problemas específicos no âmbito dos registros públicos.

Por outro lado, no que toca aos embriões não implantados, que se encontram em ambiente laboratorial de modo provisório ou até mesmo definitivo (no caso dos embriões excedentes), a questão é ainda mais delicada. Isso porque há um considerável interesse científico e tecnológico nesses embriões[10], que são frequentemente destinados a finalidades estranhas à sua vocação geracional, voltadas à pesquisa e a experimentos científicos [11].

Muito embora não tenham sido ainda implantados, os embriões, justamente por guardarem a potencialidade de vida humana (e independentemente de serem considerados seres dotados de vida, como sustentam determinadas correntes doutrinárias, como visto), não podem ser reduzidos à mera categoria de coisa, e por isso não podem ser livremente utilizados.

Nesse sentido, há necessidade de lei especial que imponha limites específicos a essa utilização[12], tarefa realizada pela Lei nº 11.105/2005 (Lei de Biossegurança)[13], restringindo-o a embriões inviáveis ou congelados há três anos ou mais[14]. Estabelece, ainda, como requisitos, a autorização dos genitores, a aprovação por Comitê de Ética em Pesquisa, e a ausência de caráter comercial para o uso[15].

O ideal seria obrigar clínicas e hospitais a assetar, em livro próprio no RCPN, todos os embriões conservados, controlando, por averbação, o uso, o descarte, ou qualquer outra incidência sobre eles”.

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Fonte: KÜMPEL, Vitor Frederico et. al., Tratado Notarial e Registral vol. II, 1ª ed, São Paulo: YK Editora, 2017, p. 125-129.


[1]     O primeiro “bebê de proveta” nasceu em 5 de julho de 1978. “A britânica Louise Joy Brown foi fruto de uma experiência científica que é considerada um marco para a humanidade. Nascida por meio do método criado pelo cientista Robert Geoffrey Edwards, que posteriormente ganhou o prêmio Nobel de Medicina, ela foi o primeiro bebê de proveta do mundo. (…) Depois de Louise, cerca de 4 milhões de pessoas já nasceram por intermédio dessa técnica. No Brasil, o primeiro caso aconteceu em 1984, no estado do Paraná, com o nascimento de Anna Paula Caldeira. Assim como o caso de Louise, o bebê de proveta paranaense abriu caminho para o desenvolvimento de técnicas cada vez mais avançadas de reprodução assistida”. Disponível in http://opiniaoenoticia.com.br/cultura/nasceu-o-primeiro-bebe-de-proveta-do-mundo/

[2]     “Entende-se por fertilização in vitro ou transferência de embriões a técnica mediante a qual se reúnem em uma proveta os gametas masculino e feminino, em meio artificial adequado, propiciando a fecundação e formação do ovo, o qual, já iniciada a reprodução celular, será implantado no útero de uma mulher”. Cf. H. H. Barbosa, Proteção Jurídica do Embrião Humano, s.l., 2002, disponível in http://www.ghente.org/temas/reproducao/protecao.htm [20.1.2017].

[3]     Tramitou na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 6960/2002, do deputado Ricardo Fiuza, que visava, entre várias outras propostas, dar ao art. 2º do CC/2002 a seguinte redação: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo os direitos do embrião e os do nascituro”. O embrião, portanto, também passaria a ser protegido pelas leis civis. O Projeto de Lei nº 6960/2002 foi arquivado em 31 de janeiro de 2007.

[4]     Ressalve-se, a título preliminar, que, em que pese a utilização, na presente obra, do termo “embrião” indistintamente, a literatura médica considera que o óvulo fecundado, mas ainda não implantado, denomina-se “zigoto”. Nesse sentido, apenas seria considerado embrião o já em desenvolvimento no útero materno. Cf. H. H. Barbosa, Proteção Jurídica do Embrião Humano, s.l., 2002, disponível in http://www.ghente.org/temas/reproducao/protecao.htm [20.1.2017].

[5]     A Lei 8.974 vedava a “produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos destinados a servir como material biológico disponível” nas atividades relacionadas a organismos geneticamente modificados (art. 8º, IV). Não obstante, tal diploma foi revogado pela Lei 11.205 de 2005, que passou a permitir a utilização de células-tronco embrionárias desde que observadas as condições dos incisos I e II do seu art. 5º. Note-se que, sob a égide da lei anterior, a proibição ao uso de embriões era condicionada, ou seja, a manipulação era lícita desde que os embriões não fossem destinados a servir como material biológico disponível. Isso permitia, por exemplo, no bojo do procedimento de fertilização in vitro, a nefasta prática de seleção de sexo não-terapêutica pré-implantatória, que traduz, grosso modo, o descarte de embriões cujo gênero não fosse aquele desejado pelos pais. Tal conduta, muito embora não fosse vedada pela lei, era criticada pela doutrina, que inclusive chegou a sugerir a criação de um tipo penal específico para a destruição de embriões, qual seja, o embrinocídio. Cf. P. V. Sporleder de Souza, Seleção de sexo – aspectos jurídicos-penais, in J. Clotet – J. R. Goldim (orgs.), Seleção de Sexo e Bioética, Porto Alegre, Edipucrs, 2004, p. 76.

[6]     J. Landman, apud H. H. Barbosa, A Filiação em Face da Inseminação Artificial e da Fertilização “in vitro”, Rio de Janeiro, Renovar, 1993, pp. 78-79: “Embora reconheça ser o congelamento de embriões um complemento eficaz da fertilização in vitro, já que permite a escolha do oportuno tempo da transferência, bem como novas tentativas se frustrada a primeira, observa que existem dois problemas: o primeiro, o risco para o embrião, não pelo congelamento, mas pela manipulação térmica; o segundo, ético-legal, em face da possibilidade de manter o embrião vivo indefinidamente, mesmo fora do organismo materno e como ser autônomo passível de sobrevida ou de destruição.”

[7]     H. H. Barbosa, Proteção Jurídica do Embrião Humano, s.l., 2002, disponível in http://www.ghente.org/temas/reproducao/protecao.htm [20.1.2017].

[8]     Dessa forma, elucida S. J. A. Chinelato, Tutela Civil do Nascituro, São Paulo, Saraiva, 2000, p. 11, que, no caso de a fecundação ter ocorrido in vitro ou in anima nobile, o embrião apenas será considerado nascituro no momento em que houver sido implantado no útero materno, haja vista que só há gravidez quando há nidação.

[9]     Dessa forma, I. W. Sarlet, Notas Introdutórias ao Sistema Constitucional de Direitos e Deveres Fundamentais, in J.J. GOMES CANOTILHO – G. F. MENDES – I. W. SARLET – L.L. STRECK, (coords.), Comentários à Constituição do Brasil, São Paulo, Saraiva/Almedina, 2013, p. 192: “No caso de embriões (e fetos) em fase gestacional, com vida uterina, nítida é a titularidade de direitos fundamentais, especialmente no que concerne à proteção da conservação de suas vidas, e onde já se pode, inclusive, reconhecer como imanentes os direitos da personalidade, assim como, em alguns casos, direitos de natureza patrimonial”.

[10]   C. A. Velasco, Aspectos jurídicos do embrião e o princípio da dignidade da pessoa humana, in Revista da Faculdade de Direito de Campos 10 (2007), pp. 186-187: “A característica mais importante – desse conjunto de células – é a de poder, em condições apropriadas, dar origem a todos os diferentes tecidos que compõem o organismo adulto. Daí a importância em se permitir a utilização de embriões excedentários nas pesquisas (…) Pertinente falar, nesse ponto, das pesquisas com células tronco embrionárias, onde as mesmas possuem uma pluripotencialidade que é inconteste – segundo o grupo de trabalho – e aceita por todos os cientistas que trabalham na área”.

[11]   Nesse sentido, cf. o Enunciado nº 2 da I Jornada de Direito Civil do CFJ: “Sem prejuízo dos direitos da personalidade nele assegurados, o art. 2.º do Código Civil não é sede adequada para questões emergentes da reprogenética humana, que deve ser objeto de um estatuto próprio”.

[12]   Nesse sentido, cf. o Enunciado nº 2 da I Jornada de Direito Civil do CFJ: “Sem prejuízo dos direitos da personalidade nele assegurados, o art. 2.º do Código Civil não é sede adequada para questões emergentes da reprogenética humana, que deve ser objeto de um estatuto próprio”.

[13]   No julgamento da constitucionalidade da Lei nº 11.105/2005, na ADI nº 3.510/DF, o Ministro Relator Carlos Ayres Britto, em que pese tenha manifestado sua adesão à teoria natalista, não deixou de observar que, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, há de se garantir os direitos ao ser em formação, de forma a preservarem-se os interesses daquele: “Sucede que – este o fiat lux da controvérsia – a dignidade da pessoa humana é princípio tão relevante para a nossa Constituição que admite transbordamento. Transcendência ou irradiação para alcançar, já no plano das leis infraconstitucionais, a proteção de tudo que se revele como o próprio início e continuidade de um processo que deságue, justamente, no indivíduo-pessoa. Caso do embrião e do feto, segundo a humanitária diretriz de que a eminência da embocadura ou apogeu do ciclo biológico justifica a tutela das respectivas etapas. Razão porque o nosso Código Civil se reporta à lei para colocar a salvo, ‘desde a concepção, os direitos do nascituro’ (do latim ‘nasciturus’). Se se prefere – considerado o fato de que o fenômeno da concepção já não é exclusivamente intra-corpóreo -, direitos para cujo desfrute se faz necessário um vínculo operacional entre a fertilização do óvulo feminino e a virtualidade para avançar na trilha do nascimento. Pois essa aptidão para avançar, concretamente, na trilha do nascimento é que vai corresponder ao conceito legal de ‘nascituro’”. Cf. (STF, Tribunal Pleno, ADI nº 3.510/DF, rel. Carlos Ayres Britto, j. 29-05-2008).