É possível a celebração de contrato de locação pelo usufrutuário?

“No usufruto, o poder jurídico sobre o imóvel fica temporariamente dividido entre o nu-proprietário – titular do domínio e substância da coisa – e o usufrutuário – titular de seu proveito, uso e gozo[1]. O usufrutuário, portanto, ao receber os poderes de usar e fruir o bem, poderá locá-lo, consignando no contrato a cláusula de vigência da locação.

Em que pese entendimento em sentido contrário, filia-se à posição segundo a qual merece ingresso no fólio real o contrato de locação celebrado pelo usufrutuário, com cláusula de vigência ou direito de preferência, ainda que sem a anuência do nu-proprietário[2]. Ora, se o usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos do imóvel (art. 1.394 do Código Civil), parece razoável que o mesmo possa locar. Aliás, o aluguel recebido constitui frutos civis, integrando o conceito de fruição da coisa.

Entretanto, o prazo da locação não poderá, naturalmente, ultrapassar o prazo do usufruto. Afinal, a aptidão do usufrutuário para locar o bem se encerra juntamente com a extinção do usufruto, salvo se no contrato estiver consignada a anuência expressa do nu-proprietário (art. 7º da Lei nº 8.245/1991).

Consignada a concordância do nu-proprietário, a cláusula de vigência, devidamente registrada, estará assegurada em face de terceiros, ainda que posteriormente cancelado o usufruto, como, por exemplo, em razão do óbito do usufrutuário. Nesse diapasão, a cláusula de vigência vinculará o próprio nu-proprietário, que, tendo concordado expressamente, terá que respeitar a locação pelo prazo ajustado[3].

Ao usufrutuário, exatamente por não ser proprietário, não é dado dispor da coisa e, muito menos, comprometer-se ou obrigar-se sobre direito exclusivamente concedido ao nu-proprietário, como ocorre com o poder de disposição do imóvel de que este é titular[4]. Não obstante, o registro da cláusula de vigência vise resguardar os eventuais futuros adquirentes da coisa, em decorrência da publicidade, na verdade, atinge interesses do proprietário, já que restringe uma das faculdades inerentes ao direito de propriedade, impedindo-o de celebrar outros contratos ou direitos reais em seu favor, mesmo após a extinção do usufruto. É nesse sentido que a sua anuência se mostra necessária quando a locação for contratada por usufrutuário[5].

Ao revés, a omissão da anuência do nu-propriedade implica a extinção da locação e da vigência da mesma nos contratos com o usufrutuário. Tal posição é contrariada pela jurisprudência dominante do STF, que entende ser possível a celebração da locação pelo usufrutuário, mas exige-se a participação ou anuência do nu-proprietário para que conste cláusula de vigência. Impedir a celebração da locação pelo usufrutuário seria uma forma de cercear seu direito. Aliás, quem deverá respeitar a locação celebrada com cláusula de vigência será o eventual adquirente do imóvel, mas cabe ao nu-proprietário o dever de respeitar a locação celebrada pelo usufrutuário[6].

Entretanto, à luz do princípio da continuidade registral, não cabe o registro ou a averbação do contrato de locação pelo antigo usufrutuário após o cancelamento do usufruto, ainda que a data do contrato seja anterior à extinção do direito real sobre coisa alheia vigorando, neste caso, o princípio tempus regit actum.

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Fonte: V.F. Kümpel, C.M. Ferreira, Tratado Notarial e Registral: Ofício de Registro de Imóveis, v.5, tomo II, São Paulo, YK, 2020.

[1] CGJSP, Proc. n° 2010/40368 (225/2010-E), rel. Jomar Juarez Amorim, j. 18-8-2010.

[2] É o entendimento de A. Fioranelli, Usufruto e Bem de Família – Estudos de Direito Registral Imobiliário, Quinta Editorial, São Paulo, 2013, pp. 80-82.

[3] Nesse sentido, a CGJSP, Proc. nº 2010/40368 (225/2010-E), entendeu ser imprescindível o consentimento das nuas-proprietárias para a locação.

[4] CSMSP, Apel. Cív. nº 3191-0/84, rel. Desembargador Heráclides Batalha de Camargo, j. 24.2.1884.

[5] CSMSP, Apel. Cív. nº 3191-0/84, rel. Heráclides Batalha de Camargo, j. 24.2.1884.

[6] Nesse sentido: STF, RE nº 52.888, rel. Luiz Galloti; STF, RE nº 71.313, rel. Min. Amaral Santos.

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