Gabriel Borges, ou “Gahbi”, como prefere, conseguiu na Justiça permissão para alterar seu registro civil. Onde consta o gênero masculino, deverá constar “não binário”.
A decisão é do juiz de Direito Daniel Felipe Machado, da 2ª vara da Família de Brasília/DF, ao destacar entendimento do STF sobre o tema e o provimento 73 do CNJ.
A parte autora solicitou o procedimento pretendendo a retificação de seus registros públicos para adequação de sua designação sexual, devendo constar não-binárie no lugar do “sexo masculino”.
No pedido, afirmou que sempre teve dificuldade de se identificar com o gênero atribuído ao nascimento. Explica que se reconheceu como homem cisgênero gay por parte de sua existência, mas sempre foi afeminado, sofrendo preconceitos. Informou que se entende uma pessoa transgênero, que não se identifica com o gênero imposto ao nascer, o que justificaria o desconforto ao ser chamado pelos pronomes ele/dele.
Permissão
Ao decidir, o magistrado destacou que o STF e o CNJ reconheceram e regulamentaram a alteração do nome e do gênero perante o Registro Civil de Pessoas Naturais, dispensando, para tanto, manifestação judicial prévia, cirurgia de transgenitalização e outros tratamentos.
Ele afirmou que a alteração poderia ser realizada diretamente no registro, conforme disciplina o provimento 73 do CNJ.
Disse, ainda, que o não acolhimento do pedido levaria a parte autora a situações vexatórias e de sofrimento. Julgou, assim, procedente o pedido, deferindo a alteração.
Discriminação
Gahbi é ator, comunicador, Drag Queen e humorista. Ao Migalhas, afirmou estar “absolutamente emocionado com o que está acontecendo”.
“Pessoalmente, acho que é uma resposta sobre a minha incessante tentativa de entender o meu lugar no mundo. A necessidade de retificação do meu gênero parte justamente desse lugar. Como homem gay cis, vivi até os 33 anos. Uma bixa gorda afeminada que sempre se destoou do que se entende por macho na nossa sociedade machista, misógina, lgbtfóbica, racista e, portanto, extremamente discriminatória. ”
Gahbi afirma que, a partir daí, começou a perceber que também não pertencia à cisgeneridade, mas que também nunca se sentiu uma mulher ou travesti. “Minha montação Drag Queen tem a ver com performance e criação artística. Todavia, a existência de signos masculinos e femininos convivendo em mim colocou em xeque a qual lugar pertenceria no mundo.”
Em 2021, passou a mergulhar nos estudos ligados aos temas queer, sociais, filosóficos e históricos e, junto a isso, na internet eclodia a nova menção de gênero “não-binárie”.
“O lugar da não-binariedade surgiu como possibilidade de existir e ser socialmente dentro do que sou e tenho permitido me expressar. (…) Essa conquista judicial é muito importante, portanto, pois ser NÃO-BINÁRIE talvez seja meu modo de negar as normas de uma sociedade que me negou tanto, e também seja uma nova possibilidade de haver um lugar no mundo pra mim.”
Não binário
A advogada Cintia Cecilio, presidente da comissão de diversidade sexual da OAB/DF, atuou na causa por Gahbi. Ela destaca que, em que pese o juiz ter entendido que a alteração poderia ser realizada diretamente no cartório com base no provimento do CNJ, a alteração não seria possível uma vez que a regra trata somente de alteração do gênero masculino para feminino, e vice-versa.
“De toda sorte, a presente decisão é a primeira no DF e traz a esperança de possibilitar que as pessoas tenham em seu registro civil o nome e o gênero que de fato se identificam. (…) Somente cada pessoa pode decidir se identificar como não binária ou não.”
Fonte: TJDFT