Quando se dá a extinção judicial do usufruto?

“A instauração de procedimento judicial é necessária quando o reconhecimento da causa de extinção do usufruto demandar instrução probatória, sobretudo em situações de grande repercussão que extrapolam a competência e a análise do registrador. Nestes casos, o mandado judicial, decorrente de sentença transitada em julgado, será o título hábil a ser apresentado perante o oficial de registro, para fins de cancelamento[1].

A primeira dessas hipóteses é a cessação do motivo determinante que originou o usufruto[2], cuja ocorrência, em geral, exigirá dilação probatória. Note-se que esta causa de extinção é aplicável tanto aos usufrutos convencionais quanto aos legais[3]. Observe-se que, caso a cessação do motivo possa ser comprovada de plano, entende-se possível o cancelamento administrativo, sendo necessária a via judicial somente quando a situação tornar indispensável a produção probatória[4].

A destruição da coisa também será causa de extinção do usufruto, excetuados os casos de sub-rogação. Cabe ressaltar que esta regra não incide sobre o usufruto impróprio, que recai sobre coisas fungíveis[5]. Da mesma forma, a alteração da coisa, por caso fortuito ou força maior, somente extinguirá o usufruto se inviabilizar o seu uso e exploração[6]. Todavia, não apenas a destruição total, mas também o perecimento parcial, desde que grave, por obstar a fruição e o uso do bem, dará fim ao usufruto[7].

Também é causa de extinção a culpa do usufrutuário, caracterizada pela alienação, deterioração ou ruína do bem usufruído[8], esta última decorrente do não custeio das despesas de reparação quando ordinárias e módicas. Se for a despesa extraordinária ou não módica, há o dever do usufrutuário de cientificar o proprietário sobre o ocorrido, sob pena de responder por culpa, extinguindo-se o usufruto[9]. No entanto, caso o proprietário, diante da omissão, efetue os reparos necessários, o usufruto será mantido, sem prejuízo do direito de regresso contra o usufrutuário, o mesmo se aplicando às obrigações tributárias[10].

Conforme aponta a doutrina, três são as atitudes do usufrutuário consideradas como culposas[11]. Quanto à alienação, no caso do usufruto próprio, tem-se que há venda a non domino, a ensejar o fim do direito de usufruto. A deterioração, por sua vez, é qualificada como um ato positivo do usufrutuário que causa dano à coisa, ao passo que a ruína é oriunda de ato negativo, uma vez que o usufrutuário não conserva o bem, mediante o custeio das despesas cabíveis[12].

A última causa de extinção do usufruto é o não uso ou não fruição da coisa, em outros termos, o não exercício do direito de usufruto. A lei, contudo, não estabelece um prazo para a extinção do direito em razão do não uso. Para parte da doutrina, em face da omissão legal, deve-se aplicar o prazo geral de prescrição, ou seja, de dez anos[13], a contar da data em que o usufrutuário poderia ter iniciado o exercício do direito[14]. Essa aplicação se alinha à ideia de que a extinção pelo não uso seria uma forma de extinção por prescrição, tese expressamente adotada no Código Civil de 1916[15]. Essa aplicação poderia, ainda, ser justificada por analogia ao dispositivo que fixa prazo para a extinção de servidões pelo não uso[16].

O Superior Tribunal de Justiça já se posicionou, entretanto, contra a aplicação do referido prazo, com base em dois principais argumentos: (i) a mencionada norma do Código Civil de 1916, que previa a extinção do usufruto pela prescrição, não foi reproduzida no Código Civil de 2002, que adotou redação diversa, e (ii) o usufruto, como direito real, não prescreve. Diante disso, entendeu-se que a falta de prazo específico não deve ser tida como omissão acidental do legislador, mas como opção deliberada. Deve-se, então, utilizar como critério para a extinção do direito o não atingimento de sua função social, cuja verificação independe de prazo certo[17].

No usufruto simultâneo, o não uso ou não fruição de um usufrutuário reverte em benefício dos demais.”

 

Fonte: V.F. Kümpel, C.M. Ferreira, Tratado Notarial e Registral: Ofício de Registro de Imóveis, v.5, tomo II, São Paulo, YK, 2020.

 

 

[1] A.Y. Konno, O Direito cit. (nota 3210supra), p. 63.

[2] C. Bevilaqua, Código Civil cit. (nota 2368supra), vol. III, 11ª ed., p. 243, dá como exemplo o usufruto instituído com a finalidade de custear os estudos do usufrutuário. Com o fim dos estudos ou com a desistência deles, extinto estará o usufruto.

[3] F. E. Loureiro in C. Peluso (Coord.),Código cit. (nota 760supra), 7ª ed., pp. 1476-1477. O autor ainda afirma que, quanto aos usufrutos convencionais, não é necessário que o motivo esteja expresso no título constitutivo, bastando que seja inequívoco e comum às partes. Contra, sustentando ser a cessação de motivo aplicável somente ao usufruto convencional, cf. T. M. Castro do Nascimento, Usufruto cit. (nota 3220 supra), pp. 128-130.

[4] A.Y. Konno, O Direito cit. (nota 3210supra), p. 70; F. E. Loureiro in C.Peluso (Coord.), Código cit.(nota 760 supra),7ª ed., p. 1476.

[5] C. Bevilaqua, Direito das Coisas cit. (nota 3220supra), vol. I, 2ª ed., pp. 383-384; T. M. Castro do Nascimento, Usufruto cit. (nota 3220supra), pp. 130-131.

[6] C. Bevilaqua, Direito das Coisas cit. (nota 3220supra), vol. I, 2ª ed., pp. 384-385; F. E. Loureiro in C. Peluso (Coord.),Código cit. (nota 3234 supra), 7ª ed., pp. 1477;Caio Mário da Silva Pereira, Instituições cit. (nota 3234supra), vol. IV, 23ª ed., p. 262; T. M. Castro do Nascimento, Usufruto cit. (nota 3220 supra), pp. 132-133.

[7] F. E. Loureiro in C. Peluso (Coord.), Código cit. (nota 760supra),7ª ed., p. 1477;Caio Mário da Silva Pereira, Instituições cit. (nota 3234 supra), vol. IV, 23ª ed., pp. 261-262

[8] O art. 1.410 do CC/2002 também faz referência ao usufruto de títulos de crédito, restando caracterizada a culpa do usufrutuário quando deixar de aplicar as quantias recebidas da forma preconizada pelo art. 1.395do CC/2002.

[9] T. M. Castro do Nascimento, Usufruto cit. (nota 3220supra), pp. 136-137

[10] F. E. Loureiro in C. Peluso (Coord.),Código cit. (nota 760supra), 7ª ed., p. 1477.

[11] F. C .Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado cit. (nota 3197supra), t. XIX, 1971, p. 281.

[12] Observe-se que o direito português não admite a culpa do usufrutuário como causa de extinção do usufruto, conforme previsão do art. 1.482 do Código Civil português: “O usufruto não se extingue, ainda que o usufrutuário faça mau uso da coisa usufruída; mas, se o abuso se tornar consideravelmente prejudicial ao proprietário, pode este exigir que a coisa lhe seja entregue, ou que se tomem as providências previstas no artigo 1470.º, obrigando-se, no primeiro caso, a pagar anualmente ao usufrutuário o produto líquido dela, depois de deduzidas as despesas e o prémio que pela sua administração lhe for arbitrado”. Cf. L. Cunha Gonçalves, Tratado cit. (nota 2062supra), pp. 716-719.

[13] Art. 505 do CC/2002.

[14] F. E. Loureiro in C. Peluso (Coord.),Código cit. (nota 760supra), 7ª ed., pp. 1477-1478.

[15] Art. 739, VI, do CC/2002.

[16] Art. 1.389, III, do CC/2002.

[17] STJ, REsp nº 1179259/MG, Terceira Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 14/05/2013. Esse entendimento foi também adotado no Enunciado nº 252, da III Jornada de Direito Civil do CJF: “a extinção do usufruto pelo não-uso, de que trata o art. 1.410, inc. VIII, independe do prazo previsto no art. 1.389, inc. III”.

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