Wilson Levy: O debate que nossas cidades precisam – e agora 

Discutir a agenda urbana é um desafio que mobiliza muitas pessoas e instituições, no Brasil e no mundo. A razão é simples: desde 2014, mais da metade (54%) da população mundial vive nas cidades, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU). No Brasil, desde o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, sabe-se que esse percentual chega próximo a 85%, o que coloca o país no grupo de nações mais urbanizadas do mundo

Essa tarefa tem sido levada a cabo por pesquisadores de diversas áreas do conhecimento. Enxergar a cidade como objeto de reflexão científica interessa ao urbanismo e ao planejamento urbano, mas também a um conjunto muito amplo de pesquisadores de outras áreas que têm o território como lugar de encontro.

É possível, por exemplo, analisar a cidade com a lente teórica das Ciências Sociais – para constatar como se manifestam as desigualdades socioterritoriais – ou enxergá-la a partir dos indicadores de Saúde, medida que permitiu compreender que a incidência de ansiedade, depressão, câncer e COVID-19, varia conforme o CEP das pessoas.

O Mapa da Desigualdade da Rede Nossa São Paulo, divulgado no dia 21 de outubro de 2021, mostra, inclusive, que o CEP determina da expectativa de vida a taxa de feminicídio. Material robusto que pode subsidiar pesquisas e apoiar políticas públicas capazes de proporcionar maior qualidade de vida nas cidades.

No entanto, o debate público sobre o tema ainda é precário, fragmentado e cheio de vieses e preconceitos. É preciso torná-lo mais atraente ao cidadão comum – em geral, quem mais sofre com a má distribuição dos benefícios da urbanização. Definir com clareza as suas premissas e mostrar os desafios em linguagem simples são as melhores maneiras de motivar as pessoas a buscar informações e refletir sobre elas. E, principalmente, incorporá-las numa reflexão crítica, capaz de impulsionar o exercício da cidadania.

Essa não é uma tarefa fácil. Afinal, entender o financiamento das políticas públicas urbanas pode levar à conclusão de que será preciso arrecadar mais para pagar a construção da cidade que queremos. Analisar o impacto das decisões públicas pode mexer com posições mais egoístas. Testar modelos teóricos que repercutem bem em plateias ilustradas pode conduzir à suspeita de que eles não entregam aquilo que prometem.

Estimular diferentes debates sobre as cidades é o propósito desta coluna, que começa hoje a ser publicada no portal UOL. Dos muitos compromissos que ela pode desde já assumir – tais como a defesa incondicional da democracia – um deles é especial: a agenda urbana é urgente e nenhuma reflexão fará sentido se não for capaz de construir soluções para problemas práticos de pessoas reais – inclusive aquelas que moram em lugares que não são notícia.

Quem discute a vida nas cidades deve, ou deveria, ter a mesma responsabilidade de quem defende a democracia. Ambas são missões que requerem muito cuidado. Democracia disfuncional leva a tentações autoritárias – basta ver as pesquisas recentes sobre confiança nas instituições democráticas feitas por institutos como o chileno Latinobarômetro, e que mostram uma descrença galopante na democracia em diversos países, como o Brasil. Cidade disfuncional rapidamente se torna cidade de muros, de exclusão e do “cada um por si” – e não a esfera pública, a civitas, o lugar que proporciona encontros, trocas e desenvolvimento social e econômico.

Esse propósito será cumprido, entre outros, pela análise de questões atuais das nossas cidades, pela leitura de projetos que deram certo e pelo diálogo com seus moradores, pesquisadores, ativistas, empresários que, a partir de seus olhares específicos, querem uma cidade melhor. E, claro, com a interação com você, leitora e leitor – provavelmente morador das cidades – que muito tem a ensinar e a inspirar.

Wilson Levy é advogado, doutor em Direito Urbanístico pela PUC-SP com pós-doc em Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. É diretor do programa de pós-graduação em Cidades Inteligentes e Sustentáveis da Universidade Nove de Julho (UNINOVE).

 

Fonte: Notícias UOL

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