TJ/SP decide pela necessidade de autorização judicial para transferência de imóvel de propriedade de menor incapaz

A 1ª Vara de Registro Públicos julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 1º Registro de Imóveis da Capital acerca da necessidade de autorização judicial para transferência de imóvel de propriedade de menor incapaz.

Confira a decisão aqui.

Dúvida – Notas – De Angelis Administração de Imóveis Próprios Ltda. – Do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 1º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de De Angelis Administração de Imóveis Próprios Ltda., mantendo o óbice registrário apontado. Oficie-se ao Juízo Corregedor Permanente do Cartório de Registro de Imóveis de Matão, de modo que sejam tomadas medidas necessárias para a averiguação de eventual falha funcional daquela serventia no registro da transferência dos demais imóveis de propriedade da então menor incapaz, Julia Albarici de Angelis de Souza, encaminhando-se cópia da presente sentença e da impugnação de fls. 48/67. Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C. – ADV: REINALDO ANTONIO ZANGELMI (OAB 268682/SP), MARCIO JOSE BARBERO (OAB 336518/SP) Íntegra da decisão:

SENTENÇA

Processo Digital nº: 1020090-71.2021.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Notas

Suscitante: 1º Oficial de Registro de Imóveis da Capital

Suscitado: De Angelis Administração de Imóveis Próprios Ltda.

Juiz(a) de Direito: Dr(a). Vivian Labruna Catapani

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 1º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de De Angelis Administração de Imóveis Próprios Ltda., após negativa de registro da conferência de bens decorrente do contrato social da empresa, objetivando a transferência do imóvel objeto da matrícula nº 105.699.

O título foi desqualificado em razão de a transmitente, Julia Albarici de Angelis de Souza, ter apenas 13 anos de idade quando o imóvel foi objeto da integralização do capital social, em 2016. Dessa forma, em razão de sua incapacidade civil absoluta, a validade da transmissão estaria condicionada à obtenção de autorização por alvará judicial.

Em vista da ausência de autorização judicial, o negócio seria nulo de pleno direito e não poderia ser convalidado, nem mesmo com a posterior ratificação pela transmitente. Sendo assim, o registro só seria possível com a lavratura de nova escritura notarial de transmissão.

A suscitada manifestou-se às fls. 48/55, sustentando, em síntese, a validade do negócio jurídico, em razão de a sócia, em que pese sua incapacidade, estar devidamente representada por seus pais quando da prática do ato. Além disso, o capital social da empresa é composto por outros imóveis, todos transmitidos pela sócia Julia, enquanto esta ainda era incapaz e o registro de suas transferências foram regularmente efetuados pelo Oficial Registrador de Matão. Alegou, também, que a sócia não sofreu nenhum prejuízo decorrente da transferência, haja vista que também é titular da empresa e, além disso, ratificou recentemente seu ato.

O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls. 70/72).

É o relatório.

Fundamento e Decido.

De acordo com os artigos 974, § 1º, 1245, § 1º, 1275, inciso I e 1691 do Código Civil, a conferência de bens destinada à integralização do capital social constitui ato de alienação, razão pela qual, apesar da boa fé das partes envolvidas, é imprescindível autorização judicial para a proprietária incapaz dispor de seu imóvel, mesmo sendo representada por seus pais.

No presente caso, o pedido de integralização não foi submetido à análise judicial, que seria realizada para constatar a real vantagem da operação à incapaz, sendo que a alienação dos bens na hipótese só é possível se não lhe trouxer prejuízo de ordem econômica, preservando de forma inequívoca os seus interesses. Logo, considerando que a obrigatória avaliação judicial prévia não foi realizada, o óbice apontado pelo Oficial deve ser mantido.

Neste contexto, dispõe o art. 1.691 do CC:

“Art. 1.691. Não podem os pais alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz.”

Sobre a necessidade de prévia autorização judicial para a transferência de imóvel de incapaz para integralização de capital de pessoa jurídica, destaco os seguintes precedentes do E. TJSP:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida – Instrumento particular de constituição de sociedade empresária limitada – Integralização de capital por incapaz – Ato de transmissão do bem da pessoa física para pessoa jurídica – Indispensabilidade de autorização judicial – Recurso não provido” (Apelação Cível nº1045783-91.2020.8.26.0100, Rel. Ricardo Anafe, Conselho Superior de Magistratura, j. 10/12/2020).

“Apelação. Pedido de alvará visando autorização judicial para alienação de imóvel de menor (art. 1.691 do CC) e sua destinação à integralização de capital social de sociedade que o menor constituiria juntamente com sua genitora. Ausência de justificativa da medida. Ato que não se mostra necessário para administração do bem e não traz concreta vantagem ao menor. Existência de grave risco ao patrimônio do incapaz. Autor que figuraria como sócio minoritário da sociedade, sem poder de administração, o qual é atribuído exclusivamente à outra sócia, com previsão expressa de poderes para usar a firma social em atividades alheias ao objeto social, inclusive para onerar bens, firmar empréstimos, constituir garantia real, autorizar fusão, incorporação e cisão da sociedade, de modo que o autor perderia totalmente o controle do seu patrimônio, que poderia ser empregado em atividades estranhas ao âmbito de simples administração de bens próprios. Recurso improvido” (Apelação Cível nº 1009382-58.2017.8.26.0566, Rel. Enéas Costa Garcia, 1ª Câmara de Direito Privado, j. 02/03/2020).

Logo, tendo em vista que é condição de validade do negócio jurídico a autorização judicial, sendo que sua ausência ocasionará a nulidade, é mister a manutenção do óbice registrário, haja vista que a nulidade absoluta não pode ser convalidada, por força do art. 169 do Código Civil.

Dessa forma, de modo a possibilitar o registro da transferência, deverá a interessada lavrar a respectiva escritura pública, com a anuência da transferente, que está atualmente em pleno gozo de sua capacidade.

Do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 1º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de De Angelis Administração de Imóveis Próprios Ltda., mantendo o óbice registrário apontado.

Oficie-se ao Juízo Corregedor Permanente do Cartório de Registro de Imóveis de Matão, de modo que sejam tomadas medidas necessárias para a averiguação de eventual falha funcional daquela serventia no registro da transferência dos demais imóveis de propriedade da então menor incapaz, Julia Albarici de Angelis de Souza, encaminhando-se cópia da presente sentença e da impugnação de fls. 48/67.

Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.

Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.C.

São Paulo, 11 de março de 2021. (DJe de 15.03.2021 – SP)

Fonte: https://www.portaldori.com.br/ultimas-noticias/page/2/

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