Fernando Keutenedjian Mady
Diante da pandemia do vírus Covid-19 – classificação epidemiológica dada pela Organização Mundial de Saúde – OMS –, e instabilidade social e jurídica engendrada, a Presidência da República publicou a Lei do Regime Jurídico Emergencial Transitório, trata-se de lei temporária, instituída em razão do período de calamidade mundial.
- Vale lembrar que, quanto a cessação de eficácia, a lei a perde por causas extrínsecas ou intrínsecas ao seu texto.
A primeira é a lei superveniente, que nos termos do art. 2º, caput, da LINDB, como regra, produz seus efeitos até que outra de mesma ou superior hierarquia a modifique ou revogue.
A Lei n. 14.010, de 2020 é temporária, assim seus efeitos – independentemente de qualquer ato posterior – cessarão em 30 de outubro de 2020. Trata-se de exceção prevista ao Princípio da Continuidade das Leis, expresso no art. 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
A norma se norteia pela declaração de calamidade pública no país, de acordo com o Decreto Legislativo nº 6 de 2020 do Congresso Nacional. O ato legislativo em comento serviu de parâmetro legal para fixação do início dos efeitos da Lei do RJET, como prescreve seu art. 1º.
Sua edição milita na extraordinariedade do evento atual e imprevisibilidade dos efeitos dele decorrentes na órbita do Direito Privado. Utiliza-se de meios para assegurar a segurança jurídica nas relações privadas, de modo em paralelo ao Código Civil, art. 317 e 428 (teoria da imprevisão ou cláusula rebus sic standibus).
Inúmeras relações e institutos jurídicos afetados pelo estado emergencial lograram regime jurídico diferenciado, tal qual a prescrição extintiva da pretensão, prevista na Parte Geral do Código Civil brasileiro, a partir de seu art. 189.
Dessa forma, durante o marco de 20 de março de 2020 (termo “a quo”), à 30 de outubro de 2020 (termo “ad quem”), a eficácia dos efeitos jurídicos dessa lei imperará, exceto quando houver disciplina específica de suspensão, impedimento ou interrupção de prazos prescricionais.
Por se tratar de ramo do direito privado, o direito de família é afetado pela LRJET. A inclusão dos prazos decadenciais, conforme ressalva expressa do art. 207 do no Código Civil, não são afetados pelos de prescrição. Embora essa seja a regra, a Lei do RJET (art. 3º, § 2º) foi incisiva ao prescrever sua aplicação em consonância com a referida ressalva do diploma civil.
Dessa forma, o prazo de eficácia do Certificado de Habilitação para o Casamento de 90 (noventa) dias encontra-se suspenso até o termo ad quem da norma temporária, ressalvada eventual dilação legal do RJET.
Nesse sentido, explica Yussef Cahali que “a decadência inibe o titular do direito de praticar um ato de vontade, não se tratando de um ato a ser exigido de outro, mas sim a ser realizado pelo próprio arbítrio do indivíduo. Se a lei confere prazo para sua prática, trata-se de prazo decadencial” [Cahali, Yussef Said. Aspectos Processuais da Prescrição e da Decadência Editora Revista dos Tribunais. São Paulo: 1979].[1]
Com o fim do processo de habilitação ao casamento, entregue aos nubentes o certificado de habilitação, a contagem do lapso temporal somente começará a partir de 30 de outubro de 2020, sem prejuízo de ampliação pelo Poder Legislativo.
[1]De igual modo, Carlos Roberto Gonçalves, in verbis: “Segundo entendimento da Comissão Revisora do Projeto, que se transformou no atual Código Civil, manifestado para justificar a desnecessidade de se definir decadência, esta ocorre “quando um direito potestativo não é exercido, extrajudicialmente ou judicialmente (…), dentro do prazo para exercê-lo, o que provoca a decadência desse direito potestativo. Ora, os direitos potestativos são direitos sem pretensão, pois são insuscetíveis de violação, já que a eles não se opõe um dever de quem quer que seja, mas uma sujeição de alguém (…)”. [Gonçalves, Carlos Roberto. Direito Civil: parte geral. 19.Ed. São Paulo: Saraiva, 2012]. Assim, afirmando que o prazo da habilitação para o casamento se trata de caducidade, aponta Gonçalves: “Decorrido o prazo de quinze dias a contar da afixação do edital em cartório (e não da publicação na imprensa), o oficial entregará aos nubentes certidão de que estão habilitados a se casar dentro de 90 dias, sob pena de perda de sua eficácia. Vencido esse prazo, que é de caducidade, será necessária nova habilitação, porque pode ter surgido algum impedimento que inexistia antes da publicação dos proclamas” [Gonçalves, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Volume 6: Direito de Família 9. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012]
A jurisprudência administrativa igualmente: Sentença – Pedido de Providências – Consulta – Habilitação para casamento – Vencimento do prazo de noventa dias relativo à habilitação – Pandemia da Covid-19 – Prazo decadencial – Situação excepcional – Aplicação do disposto na Lei Federal n° 14.010/2020 – Prazos que se encontram suspensos, não havendo contagem entre os dias 12 de junho e 30 de outubro de 2020, voltando a correr após essa data – Lei que não fez distinção entre prazos judiciais e extrajudiciais – Possibilidade do casamento – Ciência à oficial” – 2ª VRP da Capital de SP – processo 0018649-09-2020.8.26.0100–