“A despeito da sentença proferida em sede de dúvida, o prejudicado poderá se valer da esfera contenciosa. Afinal, o procedimento de dúvida tem natureza administrativa, não fazendo coisa julgada, além de ter caráter sumaríssimo, não admitindo produção probatória.
Em todo caso, da sentença administrativa caberá recurso de apelação, julgado pelo órgão recursal fixado nas Leis de Organização Judiciária. Ante a omissão da lei quanto ao prazo recursal, aplica-se a regra comum do Código de Processo Civil, prevendo o prazo de quinze dias corridos a partir da intimação[1] (art. 1.009, § 2º).
A apelação deve ser dirigida ao juízo de primeiro grau dos registros (art. 1.010 do CPC), sem que haja remessa ao tribunal das contrarrazões. Embora se intime o oficial da decisão proferida, este não tem legitimidade recursal. Na sequência, os autos serão remetidos ao órgão julgador do recurso, independentemente de juízo de admissibilidade.
Em razão da sistemática dos registros públicos, que não tolera situações de eficácia provisória, por um imperativo de segurança jurídica, a apelação é recebida no duplo efeito, ou seja, com efeito devolutivo e suspensivo. O termo “devolutivo” significa que a matéria é integralmente devolvida ao órgão recursal para conhecimento e reanálise; o efeito suspensivo, por sua vez, designa a necessidade de se aguardar a preclusão consumativa (não há trânsito em julgado) do acordão e, portanto, a apreciação do recurso interposto, para dar continuidade ao procedimento registral.
Na dúvida registral, é incabível agravo de instrumento, pois em seu procedimento não há que se falar em recorribilidade das decisões interlocutórias, na medida em que não há referidas decisões, mas tão somente em sentença e seu trânsito em julgado[2]. Durante a vigência do Código de Processo Civil de 1973, o referido recurso era admitido em caso de não recebimento recursal pelo julgador de primeira instância. Todavia, o atual códex, em seu art. 1.015, não incluiu essa situação como objeto do recurso de agravo, de modo a excluir tal recurso nesse procedimento.
Inexiste previsão dos embargos infringentes na Lei nº 6.015/1973. Tal omissão foi suprida, durante a vigência do CPC de 1973, pelo entendimento de que não precluíam as decisões interlocutórias no processo de dúvida, ressalvadas aquelas proferidas depois da sentença, daí não haver recursos incidentais no âmbito da dúvida. Ressalve-se que inexistia regra expressa acerca da aplicação do CPC de 1973 no âmbito do processo administrativo.
Por outro lado, o Código de 2015, em seu art. 15, assevera que “na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”. Em consequência, permitiu-se a interposição de recurso de agravo contra decisões incidentais da dúvida, independentemente do momento em que proferidas (antes ou depois da sentença). Exige-se, todavia, que a interposição esteja vinculada a alguma das hipóteses de admissibilidade arroladas no art. 1.015 do CPC[3], a saber:
“I – tutelas provisórias; II – mérito do processo; III – rejeição da alegação de convenção de arbitragem; IV – incidente de desconsideração da personalidade jurídica; V – rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; VI – exibição ou posse de documento ou coisa; VII – exclusão de litisconsorte; VIII – rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio; IX – admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; X – concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução; XI – redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1o; XII – (VETADO); XIII – outros casos expressamente referidos em lei.”
Parece razoável admitir reclamação, com fundamento no art. 988, inciso I, do Código Processual de 2015, nos casos em que o juiz se recusar a processar o recurso de apelação. Neste caso, a reclamação emerge como uma ferramenta à disposição da parte interessada ou do Ministério Público para fins de preservação da competência do tribunal nas revisões das sentenças proferidas nos processos de dúvida. Destaca-se que a reclamação não é um recurso propriamente dito (não consta, portanto, no rol do art. 994 do CPC), mas uma ação, e por isso não obsta a interposição do recuso cabível.
Nos processos de dúvida é cabível, ainda, a interposição de embargos de declaração, com o fito de suprir obscuridade, contradição ou omissão na decisão embargada. Aplica-se o prazo de cinco dias para tal interposição (art. 1.023 do CPC), podendo ser interrompido para a interposição de outro recurso (art. 1.026 do CPC).
Também caberá, no procedimento de dúvida, mandado de segurança. Isso pode ocorrer quando a autoridade administrativa coautora for um servidor público, ou seja, ligado ao Estado, e que tenha atuado no procedimento administrativo a fim de representar o Poder Público.
Por outro lado, não se admite recurso especial e extraordinário das decisões proferidas neste procedimento, na medida em que a dúvida não tem como objeto conflito de interesses qualificado por pretensão resistida (lide), mas mera divergência entre o registrador e o interessado, caracterizada pela existência de um obstáculo ao registro[4].
Nesta linha, não se vislumbra na dúvida as possíveis causas elencadas no art. 105, III, da Constituição Federal – requisito necessário para viabilizar o recurso especial –, tampouco as causas arroladas no art. 102, III –, que autorizem a interposição do recurso extraordinário.
A legitimidade para interpor recurso é do interessado, do Ministério Público e do terceiro prejudicado. O interessado é, geralmente, o apresentante do título, desde que revestido de interesse direto ou indireto no registro. Em que pese ter o legislador utilizado, em certas passagens, os termos “apresentante” e “interessado” como sinônimos, entende-se que o interesse recursal, assim como a própria instauração da dúvida, restringe-se àquele que tem interesse jurídico no registro. Não cabe, assim, ao simples solicitante do registro apelar da sentença no processo de dúvida.
A legitimidade recursal do Ministério Público, por seu turno, emana da sua atuação como fiscal da lei.
O terceiro interessado deve demonstrar e comprovar seu interesse, ou seja, a interligação entre o direito imobiliário objeto da dúvida, o seu interesse sobre ele e os impactos da apreciação judicial[5]. O interesse do terceiro em recorrer pressupõe, portanto, a lesão a interesse jurídico em decorrência da decisão proferida em primeira instância.
Frise-se que o registrador não é considerado parte na dúvida, não tendo, igualmente, legitimidade recursal. Sua atuação limita-se ao juízo qualificador dos títulos e à instauração do procedimento de suscitação de dúvida. Não tem ele interesse jurídico direto na solução da dúvida, de modo que não será colhida sua manifestação em grau de recurso, e deverá acatar, qualquer que seja, a decisão do juiz de registros públicos.
Interessante questão é a da possibilidade de o Tabelião de Notas recorrer da sentença em matéria de dúvida registral. Sem entrar em controvérsias, parece não ser possível. Não obstante o tabelião tenha interesse de ver seu título registrado, na medida em que equiparado ao “amicus curiae”, não tem legitimidade recursal (RE GO 2584)”.
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Fonte: KÜMPEL, Vitor Frederico et. al., Tratado Notarial e Registral vol. V, Tomo I, 1ª ed, São Paulo: YK Editora, 2020, p. 606/607.
[1] Swensson, Walter Cruz – Swensson Neto, Renato – Swensson, Alessandra Seino Granja, Lei de Registros Públicos Anotada, 4ª ed., São Paulo, Juarez de Oliveira, 2006, p. 427.
[2] Swensson, Walter Cruz – Swensson Neto, Renato – Swensson, Alessandra Seino Granja, Lei de Registros Públicos Anotada, 4ª ed., São Paulo, Juarez de Oliveira, 2006, p. 426. Ao contrário, Walter Ceneviva não admite o agravo em processos dúvida (Lei dos Registros Públicos Comentada, 19ª ed., São Paulo, Saraiva., 2010, p. 497).
[3] Dip, Ricardo Henry Marques, Registros sobre Registros #67, in TV Registradores, 29-08-2017, disponível in http://iregistradores.org.br/registros-sobre-registros-67/ [18-02-2019].
[4] Swensson, Walter Cruz – Swensson Neto, Renato – Swensson, Alessandra Seino Granja, Lei de Registros Públicos Anotada, 4ª ed., São Paulo, Juarez de Oliveira, 2006, p. 426. No mesmo sentido: CGJSP, Processo nº 171.177/2014 e Processo nº 1030481-25.2015.8.26.0576, rel. Manoel de Queiroz Pereira Calças, j. 22-2-2017).
[5] W. C. Swensson – R. Swensson Neto – A. Swensson, Lei dos Registros Públicos, p. 427.
Excelente explanação, principalmente porque estou vivenciando um caso de suscitação de dúvida, onde o MM Juiz não acolheu a declaração do cônjuge anuindo com a clausula de incomunicabilidade prevista no art. 1649 item VI, já que os bens havidos com os proventos não se comunicam no regime de comunhão parcial. o caso foi as vias judiciais e o Juiz não acolheu as justificativas da varoa, independente financeiramente. O marido teve em primeiras nupcias 2 filhos e qdo se desquitou em 1983 deixou todo o seu patrimonio para mulher e filhos. Conheceu a varoa e com ela teve 2 filhos. Ela já tinha patrimonio e proventos. Com o advento da CF de 88 ele e a ex divorciaram-se e ele veio a se casar no civil com a varoa. O varão não quer que os dois filhos do primeiro casamento venham a herdar bens de sua segunda esposa e o cartório de registro de imóveis não aceitou a clausula de incomunicabilidade havido o imóvel com proventos e com bem sub rogado.
digo, artigo 1.659 C.C/2015