“As regras de direito material, mais especificamente aquelas referentes aos direitos reais sobre bens imóveis, previstas no Código Civil brasileiro, exigem a adoção de um sistema de registro imobiliário[1], cujos efeitos estão atrelados, justamente, ao modelo de transmissão da propriedade ou de constituição de outros direitos reais sobre bens imóveis, que é adotado pelo direito material.
Assim, ao determinar o art. 1.245 do Código Civil que a propriedade de imóveis, por ato inter vivos, só se transmite “mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis”, adquire o registro imobiliário brasileiro o efeito constitutivo da propriedade[2]. Enquanto não registrado o título, permanece o alienante como proprietário do imóvel (art. 1.245, § 1o, do Código Civil).
Não se trata, no entanto, de seu único efeito. O registro imobiliário também tem efeito de publicidade das informações nele constantes[3], que decorre, em certa medida –também do ordenamento brasileiro –, de sua própria natureza constitutiva. Todavia, as consequências da publicidade resultante do registro variam de acordo com as regras de direito material, mais especificamente do modelo adotado em cada ordenamento jurídico. Isso significa que a presunção de veracidade do registro no Brasil não será a mesma, por exemplo, daquela resultante do modelo alemão, já que as regras de proteção do terceiro adquirente de boa-fé são distintas[4]. Dessa forma, ressalta-se que o registro é fonte de publicidade de direitos reais sobre bem imóveis, muito embora não se possa ignorar a posse como fator de publicidade e de aparência de extrema relevância para o direito brasileiro[5].
Ademais, o registro imobiliário também adquire no Brasil, sobretudo após o advento da Lei n. 13.465/2017, um efeito de regularização da propriedade. Isso porque, o direito material brasileiro reconhece formas de aquisição da propriedade sobre bens imóveis que independem do registro, diferentemente daquelas que resultam da celebração de negócio jurídico (art. 1.245 do Código Civil). O exemplo clássico é a usucapião, que é forma originária de aquisição de propriedade independente do registro. Embora a maior parte da doutrina entenda ter o registro, no caso da usucapião, efeito meramente declaratório[6], nesses casos, tem como escopo regularizar um direito de propriedade já constituído, mas formalmente fora do sistema de registro imobiliário, o que limita o exercício do direito subjetivo pelo seu titular.
(…)”
Fonte: V.F. Kümpel, C.M. Ferreira, Tratado Notarial e Registral: Ofício de Registro de Imóveis, v.5, tomo I, São Paulo, YK, 2020.
[1] H. Schöner – K. Stöber, Grundbuchrecht, 15ª ed., München, Beck, 2012, p. 1.
[2] H. Wilsch, Grundbuchordnung für Anfänger, 2ª ed., München, Beck, 2017, p. 7, aponta o paralelo no direito alemão, em razão de determinar o § 873 I BGB que a transmissão da propriedade sobre bens imóveis ou a oneração de um bem imóvel com direito real depende de negócio jurídico de disposição – negócio de natureza real (Einigung) e inscrição no livro de registros (Eintragung).
[3] D.H. Richter, Das materielle und formelle Deutsche Grundbuchrecht in seiner Beziehung zum Liegenschaftskatasterdiest: mit besonderer Berücksichtigung der bayrischen und rheinpfälzischen Verhältnisse, Berlin, J. Schweitzer, 1950, pp. 20-21, entende que a publicidade é absolutamente essencial para se buscar a função de segurança jurídica que o registro procura alcançar nas transações sobre bens imóveis.
[4] O tema será tratado de maneira mais detalhada em ponto próprio (vide item 1.12 infra).
[5] De forma diversa: L. Brandelli, Registro de Imóveis e Eficácia Material, Rio de Janeiro, Forense, 2016, pp. 99-100: “Conforme salientado, em tempos pretéritos, em sociedades pessoais, em que todos conheciam seus pares na coletividade, e em que não havia direitos oponíveis a terceiros sem que seu titular fosse também possuidor da coisa, a posse fazia publicidade eficaz. Não mais em tempos hodiernos. Em uma sociedade de massas, impessoal e de extrema complexidade, em que as pessoas nem ao menos conhecem seu vizinho – e muito menos ficam sabendo dos negócios jurídicos celebrados por este –, e em que há inúmeros direitos que devam produzir eficácia perante toda a coletividade, mas que não conferem posse direta da coisa ao titular do direito, isto é, não produzem por si só uma aparência do direito (…) a posse passa a ter um papel publicitário muito limitado e que não atende aos anseios da sociedade”.
[6] Nesse sentido, F. C. Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado – Tomo XI – Direito das Coisas – Propriedade – Aquisição da propriedade imobiliária, 2ª ed., Rio de Janeiro, Borsoi, 1971, p. 148; J. C. Moraes Salles, Usucapião de Bens Imóveis e Móveis, 3a ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, pp. 109-110; Orlando Gomes, Direitos Reais, 12a ed., Rio de Janeiro, Forense, 1997, pp. 172-173; B. Silvério Ribeiro, A Sentença de Usucapião e o Registro de Imóveis, in Revista de Direito Imobiliário, 33 (1994), pp. 93-104 [=Dip, Ricardo Henry Marques – Jacomino, Sérgio, Doutrinas Essenciais – Direito registral, vol. III, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2011, pp. 1145-1162], p. 1147