“Para consignar nos livros públicos a ocorrência do óbito, em consonância com o princípio da rogação, o oficial de registro civil depende de instância, a ser promovida pelo responsável no caso concreto.
O art. 79, da Lei nº 6.015/1973 estabelece um rol de pessoas obrigadas a declarar o óbito, selecionadas em fator de sua proximidade com o falecido. O critério que fundamenta o rol, por conseguinte, remete ao vínculo jurídico ou fático dos sujeitos indicados em relação ao falecido, ou ao próprio evento morte, que possibilita o fornecimento de informações confiáveis e precisas para a lavratura do assento. Cada item do rol, nessa esteira, prevê uma determinada espécie de vínculo e a respectiva obrigação por ele gerada.
Note-se que o rol de legitimados para declarar o óbito é muito mais abrangente que o insculpido para a declaração de nascimento. O motivo é evidente, já que o sujeito acumula uma série de relações jurídicas no transcorrer da vida, muitas inexistentes no momento do nascimento. Assim, apesar de haver legitimados em comum em ambos os dispositivos, como por exemplo a remissão ao parente mais próximo, além de legitimados em decorrência de circunstâncias fáticas (ou seja, aqueles que assistiram o evento), há legitimados à declaração de óbito que naturalmente inexistem em matéria de declaração de nascimento, como por exemplo, o filho, cônjuge, e principalmente o fâmulo (empregado) entre outros, uma vez que implicam relações jurídicas logicamente posteriores ao nascimento.
Observe-se, ainda, que a lista de legitimados não é propriamente sequencial, na medida que cada item diz respeito a uma relação meramente hipotética, ensejando a obrigação apenas se verificada no caso concreto. Naturalmente, considerando o caráter multifacetário da vida em sociedade, que comporta uma gama de relações jurídicas enfeixadas num mesmo sujeito de direito, é possível – e provável – que mais de uma pessoa seja obrigada a declarar um mesmo óbito. Por exemplo, o óbito do pai deve ser declarado pelo filho, em decorrência do vínculo jurídico de filiação, mas se o pai for casado, seu óbito deverá também ser declarado pela esposa, por conta do vínculo matrimonial. Assim, para eleger os obrigados a declarar o óbito de um indivíduo, é preciso antes de tudo qualificá-lo, pois é de seu estado civil e familiar que serão inferidas suas principais relações jurídicas e, por conseguinte, os sujeitos mais aptos a informar o registro acerca do óbito.
Outrossim, é necessário também determinar as circunstâncias fáticas do falecimento, pois, sendo este um fato jurídico natural, é possível que tenha sido presenciado por pessoas que, apesar de não guardarem vínculo jurídico apriorístico com o morto, tenham tido relação concreta com o fato, estando assim aptas a relatá-lo.
Percebe-se, portanto, que há uma série de situações vocacionadas a gerar a obrigação de declarar um óbito: seja por um vínculo de parentesco, seja por um vínculo jurídico, ou até mesmo por um liame fático. Havendo sobreposição de situações jurídicas que possibilitem a legitimação de múltiplos declarantes, deverá ser observada a ordem estabelecida no rol.
A previsão de um rol sucessivo para a obrigação de declarar o óbito tem por escopo dar prioridade aos declarantes que presumidamente tenham tido relações mais estreitas com finado, e por isso podem prestar as informações necessárias com maior precisão, garantindo em última instância a segurança e autenticidade ínsita aos registros públicos. É por essa razão que a ordem legal deve ser observada.
Não obstante, a rigidez da hierarquia perde sua razão de ser quando há atestado médico, tendo em vista que este encerra em si mesmo toda a certeza necessária à instrução do registro. Entende-se, nesse sentido, que se for apresentada a declaração de óbito assinada por um médico, fica dispensada a observação da ordem sucessiva da lista de legitimados. Neste caso, qualquer um que apresente a declaração de óbito poderá informá-lo ao registrador, já que a fidedignidade da declaração, nesse caso, apoia-se no documento médico, e não na qualificação do declarante. (…)
O registro de óbito não comporta a prática de atos jurídicos pelo declarante, cuja obrigação limita-se a levar ao conhecimento do registrador os fatos e circunstâncias do evento, fatores estes que podem, sem qualquer prejuízo, estar previamente consignados em documento médico oficial, ou seja, a DO, tornando a declaração necessária tão somente para dar cumprimento ao princípio da rogação.”
“(…) Há, ainda, determinadas hipóteses em que cabe à autoridade policial declarar o óbito ao ofício de registro civil. É o caso de pessoa encontrada morta, tenha sido a morte acidental ou violenta. Nesse caso, então, o registro se fará mediante a comunicação, ex oficio, das autoridades policiais, às quais incumbe fazê-la logo que tenham conhecimento do fato. Tal competência, como se infere de sua própria topografia no rol (o último inciso), é subsidiária, apenas incidindo quando não houver outro legitimado para tal, como no caso de expostos, indigentes, etc.
Extrai-se, da inclusão de uma autoridade pública no rol de obrigados a declarar o óbito, mesmo que na posição de ultima ratio, a importância social do registro de óbito, que, se não providenciado pelos particulares ligados diretamente ao falecido, como idealmente preconizado pelo sistema, ficará à cargo do próprio Estado, que não poderia permitir que o falecido ficasse insepulto.
A Lei dos Registros Públicos imprime o caráter de obrigatoriedade à declaração do óbito pelos sujeitos enumerados, assim como ocorre quanto à declaração de nascimento. Isso implica reconhecer que a omissão, daquele legalmente incumbido da declaração, configura descumprimento de conduta juridicamente imposta. (…)
(…) O descumprimento do dever de declarar o óbito se traduz em uma forma de ocultá-lo[1], como já entendeu o Superior Tribunal de Justiça[2]. Ora, a ocultação do evento “morte” perante o Estado imputa-lhe a possibilidade de averiguar as circunstâncias do falecimento, e realizar procedimentos conducentes à constatação de violência, tortura e outras violações aos direitos fundamentais.
Muito embora a omissão no dever legal de declarar o óbito não constitua, per si, uma conduta punível, pode integrar o suporte fático da chamada inumação ou exumação de cadáver. Com efeito, é considerado contravenção penal o sepultamento sem a observância das formalidades legais, dentre as quais destaca-se, justamente, o registro do óbito.
Tendo em vista o amplo interesse estatal e social em que a morte seja declarada, bem como formalizada, o rol do art. 79, da Lei dos Registros Públicos deve ser interpretado como tendo natureza exemplificativa, não exaurindo a previsão de legitimados a declarar o óbito. Ao seu conteúdo subjaz, assim, a pretensão de estabelecer a responsabilidade daqueles que figurem no elenco, bem como o de assegurar a declaração do óbito e seu registro – eis aí uma expressão do princípio da acessibilidade registrária.
No intento de facilitar a declaração, por exemplo, a Lei permite não apenas a declaração pessoal, mas também por meio de “preposto”, desde que porte declaração por escrito, consignando a autorização do declarante e os elementos necessários à lavratura do assento[3].
Observe-se que nem a doutrina[4], nem as normas estaduais[5], são uniformes no que toca à interpretação da expressão “preposto”, no âmbito no referido dispositivo (art. 79, parágrafo único, da Lei 6.015/1973). Em que pese a divergência, a interpretação mais acerta é a que entende o termo “preposto” em sentido amplo, como mandatário constituído pelo declarante. Aliás, não haveria porque impedir a declaração de óbito por representante, se para a declaração de nascimento, que carrega um teor volitivo muito maior, a representação é admitida.”
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Fonte: V.F. Kümpel, C.M. Ferrari, Tratado Notarial e Registral: Ofício de Registro Civil das Pessoas Naturais, 1ª ed., v. 2, São Paulo, YK, 2017, pp. 781-787.
[1] M. de C. Camargo Neto – M. S. de Oliveira, Registro Civil das Pessoas Naturais I – parte geral e registro de nascimento, in C. Cassetari (coord.), Coleção Cartórios, São Paulo, Saraiva, 2014, p. 104.
[2] STJ, 1ª T., REsp nº 612.108/PR, rel. Luiz Fux, j. 3-11-2004, em decisão na qual se assinalou a obrigação legal por parte da autoridade policial em proceder à declaração de óbito ocorrida durante o Regime Militar brasileiro.
[3] Art. 79, parágrafo único, da Lei 6.015/1973.
[4] W. Ceneviva, Lei dos Registros Públicos Comentada, 15ª ed, São Paulo, Saraiva, 2003, p. 197, por exemplo, entende que o preposto seria a “pessoa que age por ordem de autoridade competente”. Nessa acepção, a possibilidade apenas incidiria nos casos dos itens 4o e 6o do art. 79, ou seja, nas hipóteses de declaração pelo administrador do estabelecimento de saúde e por autoridade policial. M. de C. Camargo Neto – M. S. de Oliveira, Registro Civil das Pessoas Naturais I – parte geral e registro de nascimento, in C. Cassetari (coord.), Coleção Cartórios, São Paulo, Saraiva, 2014, p. 114, adotando uma concepção mais ampla, entendem que a expressão empregada pelo dispositivo abrangeria não apenas o preposto em sentido estrito (nos casos de declaração efetuada por administrador de estabelecimentos públicos ou privados) como também o mandatário eventualmente constituído pelo declarante.” (…)
[5] O Código de normas de Minas Gerais interpreta o dispositivo como um permissivo para a constituição de mandatário, determinando, no art. 529, parágrafo único, que “o declarante poderá fazer-se representar por mandatário com poderes especiais, outorgados por procuração particular com firma reconhecida ou por instrumento público”. Seguindo essa linha, sem, contudo, especificar exigências formais quanto à procuração, a consolidação normativa do Rio Grande do Sul prevê que “A declaração poderá ser feita por mandatário, devidamente constituído, devendo constar no referido instrumento de procuração os elementos necessários ao assento de óbito.” (art. 169, parágrafo único).” (…)