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Primeiras impressões do provimento 161/24 do CNJ

Vitor Frederico Kümpel e Gustavo Casagrande Canheu

Em 11/3/24 o CNJ fez publicar o Provimento 161, alterando dispositivos do Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça – Foro Extrajudicial (CNN), instituído pelo Provimento 149/23 do mesmo órgão.

Os dois principais pontos das alterações se referem: a) revogação do §1º do art. 72, que permitia a cumulação do exercício da delegação com a do cargo eletivo de Vereador, novidade que se observava na redação do CNN quando confrontando com o antigo Provimento 78/18 do mesmo CNJ; b) mudança quase integral do capítulo que trata da prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo (representados agora pela sigla PLD/FTP), sendo também agora previsto o combate à proliferação de armas de destruição em massa (arts. 137 a 181 do CNN).

A princípio cabe pontuar que a mudança relativa à possibilidade ou não de cumulação da vereança com o exercício da atividade notarial e registral parece ter havido para corrigir erro cometido na redação original do CNN, que acabou por reproduzir a redação original do Provimento 78/18 do CNJ (que permitia a cumulação), e não a redação final (que não a permitia), que estava até então em vigor.

O citado Provimento 78/18 teve sua redação alterada pelo Pleno do CNJ ao ser levado ao seu referendo, em dois pontos, primeiro para se proibir a cumulação de qualquer cargo eletivo com o exercício da atividade notarial e registral, determinando o afastamento do titular durante todo o seu mandato, afastando a possibilidade, inicialmente prevista, de exercício cumulativo da vereança, desde que houvesse compatibilidade de horários. Depois, deixou-se claro, aqui acertadamente, pelo que pensamos, que mesmo afastado, ao titular são devidos os emolumentos integrais da atividade notarial e registral, ficando o substituto legal responsável pela delegação, que não estará vaga, mas apenas com seu titular licenciado legalmente.

O que parecia ser uma novidade do CNN, voltar a permitir a cumulação da vereança com a atividade notarial e registral, mostrou-se, em verdade, um mero equívoco, agora corrigido. Volta a valer, portando, a redação ao final prevaleceu do antigo provimento acima citado.

A segunda e principal mudança havida no CNN em razão da entrada em vigor do Provimento 161/24, trata das disposições relativas aos deveres de tabeliães e registradores na prevenção à lavagem de dinheiro, ao financiamento ao terrorismo e, agora, também à proliferação de armas de destruição em massa, regras essas originárias do Provimento 88/19 do CNJ. Houve sensível diminuição das hipóteses de comunicação obrigatória ou objetiva (agora há apenas uma por especialidade), a regulamentação precisa do procedimento interno de análise de risco dos atos praticados (para os casos de comunicação não obrigatória ou subjetiva), e a especificação, para Tabeliães de Notas, da necessidade de descrever, em minúcias, como todos os pagamentos havidos em escrituras públicas realmente se deu.

O inciso VII do art. 140 do CNN, introduzido pelo Provimento 161/24, resolveu antiga celeuma, definindo o que realmente equivale a “pagamento em espécie”, previsão genérica que gerava inúmeras comunicações por parte de tabeliães e registradores, que em verdade seriam desnecessárias. Nesse sentido, pagamento em espécie é apenas o pagamento consistente em moeda manual, ou seja, em cédulas de papel-moeda ou moedas metálicas fracionárias, também designado por expressões como “dinheiro vivo”, numerário ou meio circulante, e NÃO SE CONFUNDE com expressões como “moeda corrente” ou “moeda de curso legal”, referentes apenas à unidade do sistema monetário nacional, que é o Real, conforme art. 1º da lei 9.069/95, ou à unidade do sistema monetário de outros países, independentemente do meio de pagamento pelo qual seja essa unidade veiculada (a exemplo de transferências bancárias, transferências eletrônicas entre contas de pagamento, pix, cheque ou dinheiro em espécie). Portanto, e agora indubitavelmente, a expressão “pagamento em moeda corrente”, usual nas escrituras imobiliárias mais antigas, nunca significou efetivo pagamento em dinheiro vivo.

Por outro lado, o art. 165-A do CNN, também novo, determina que toda escritura pública de constituição, alienação ou oneração de direitos reais sobre imóveis deve indicar, de forma precisa, meios e formas de pagamento que tenham sido utilizados no contexto de sua realização, bem como a eventual condição de pessoa politicamente exposta de cliente ou usuário ou de outros envolvidos no contexto. Trata-se de novidade importante, já que até então era comum citar a o meio e a forma de pagamento genericamente, mas sem a precisão agora determinada. Vejamos: a) no caso de pagamentos em espécie (dinheiro vivo) devem ser expressamente mencionados local e data correspondentes de pagamento; b) no caso de transferências bancárias, devem ser especificados dados bancários que permitam identificação inequívoca da conta envolvida, tanto da origem como de destino dos recursos transferidos, bem como os dados dos seus titulares e datas e valores das transferências; c) nos pagamentos com cheques, devem ser especificados os elementos de identificação, informações da conta bancária e origem e da eventual conta de destino dos recursos, seus titulares, bem como data e valores envolvidos; d) no caso de utilização de outros meios, devem ser expressamente mencionados, com local e data correspondentes, com identificação da origem e do destino dos valores pagos (ex.: dação em pagamento, cessões de direitos, ativos virtuais, permutas ou prestações de serviços).

A grande novidade é mencionar não só detalhadamente cada pagamento havido, mas as contas de origem e de destino de cada valor. Nesse sentido, se forem mencionados, contas ou recursos de terceiros, estes devem ser qualificados na escritura pública (§2º do art. 165-A, CNN).

No entanto, é possível que a parte se recuse a dar tais informações detalhadas de cada pagamento, e isso não pode levar o notário a se recusar a praticar o ato (art. 179, CNN), mas o obriga a mencionar no corpo da escritura que houve tal recusa (§3º do art. 165-A, CNN). Vale lembrar que um dos fatos que pode ser levado em consideração pelo notário (dentro do procedimento de análise de risco) para comunicar ao COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras da Receita Federal) um possível ato de lavagem de dinheiro é justamente a parte oferecer resistência ao fornecimento de informações que lhe foram solicitadas para a prática de um ato notarial (art. 155, VIII, do CNN).

A principal razão, no entanto, da edição do Provimento 161/24 pelo CNJ, foi a necessidade de reduzir o número de comunicações feitas ao COAF pelos notários e registradores desde o ano de 2019. Foram, ao todo, conforme a 5ª edição/23, do informativo CARTÓRIO EM NÚMEROS, da ANOREG BR, ao todo 5.263.739 comunicações feitas pelos cartórios ao COAF, de janeiro/20 a novembro/23, estando os cartórios entre os que mais comunicam atos suspeitos ao COAF, perdendo apenas para as instituições financeiras.

No Ofício-Circular 5/CONR, expedido em 21/3/24 pelo CNJ, min. Luis Felipe Salomão, se afirma que, em levantamento feito pelo COAF, menos de 1% das informações recebidas dos cartórios extrajudiciais efetivamente fizeram parte de análises de RIF’s – Relatórios de Inteligência Financeira, percentual bastante inferior aos demais segmentos obrigados. Foram apontadas deficiências na ausência de detalhamento da suspeição e, principalmente, incompreensão do comando regulamentar até então vigente.

Assim, para reduzir o excessivo número de comunicados e melhorar a qualidade das informações prestadas pelos cartórios extrajudiciais, o Provimento 161/24 trouxe duas significativas mudanças: a) todas as hipóteses de comunicação obrigatória foram resumidas a uma, operações que envolvam pagamento ou recebimento em espécie (dinheiro vivo) em valor igual ou superior a R$ 100.000,00; b) deve ser estabelecido procedimento interno de análise de riscos, paras as demais comunicações, compatível com o porte da serventia extrajudicial e com o volume das operações praticadas, no qual os notários e registradores deverão considerar, entre outras fontes, avaliações nacionais ou setoriais de risco conduzidas pelo Poder Público, assim como avaliações setoriais ou subsetoriais realizadas por suas entidades de representação (art. 139 e 139-A, CNN).

Os procedimentos de análise das operações devem reunir os elementos objetivos com base nos quais se conclua pela configuração, ou não, de possível indício de prática de LD/FTP (sigla que representa os crimes prevenidos com tais comunicações), e devem ser documentados para efeito de demonstração à CNJ ou às CNJs estaduais ou do DF, independentemente de terem como resultado, ou não, o encaminhamento de comunicação à UIF (§§ 2º e 3º do art. 141, CNN). A nosso sentir, deverão os notários e registradores lavrar atas periódicas de análise dos atos praticados (o procedimento deve agora se concluído no prazo de até 60 dias e as comunicações feitas em até 24 horas), bem como arquivar, em classificador obrigatório, todos os documentos e dados que serviram de base para a comunicação ou não dos atos como suspeitos ao COAF.

Além disso, no caso de serem efetivadas comunicações, será obrigatória sua fundamentação, incluindo manifestação circunstanciada dos motivos que levaram a conclusão pela configuração de indício de prática de LD/FTP, os dados relevantes da operação (descrição das formas de pagamento e identificação das pessoas envolvidas), as indicações das fontes de informações consideradas na comunicação (tais como documentos, declarações prestadas, observação direta, mensagens de e-mail ou telefonemas, matérias jornalísticas, resultados de pesquisas na internet, redes sociais ou informações compartilhadas informalmente em âmbito local, regional, familiar ou comunitário), nos termos do art. 154-A, CNN.

Em suma, se de um lado o Provimento 161/24 prova que notários e registradores vêm cumprindo a obrigação que lhes foi imposta de comunicar ao COAF atividades que supunham suspeitas, por outro lado vem em boa hora para corrigir imprecisões, regras por demais abertas como as anteriormente previstas, que levavam ao excesso de comunicações. Espera-se que o procedimento de análise, agora objetivado na normativa, resolva os excessos e, ao mesmo tempo, direcione os notários e registradores a efetivamente contribuírem para o combate aos crimes de lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo e proliferação de armas de destruição em massa, em evidente demonstração da importância da atividade para a segurança jurídica e também do país.


*texto retirado do Portal Migalhas.