A Constituição Federal de 1988 reservou um artigo exclusivo sobre os serviços de registro, traçando os contornos gerais dentro dos quais haveria de desenvolver-se a atividade legislativa, sendo ele o art. 236, transcrito a seguir:
“Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.
§ 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.
§ 2º Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.
§ 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses”.
“Dessa norma decorrem importantes consequências. Em primeiro lugar, infere-se a natureza jurídica dos serviços notariais e registrais, qual seja, de atividade pública.
Em segundo lugar, a delegação ao particular, pessoa física do registrador, é feita por concurso público de provas e títulos, sendo que o seu exercício se dá em caráter privado sob a exclusiva fiscalização do Poder Judiciário.
E, ainda, as atividades de registro não se inscrevem no âmbito das remuneráveis por tarifa ou preço público, mas sim por taxa, denominada emolumentos, jungida esta a normas gerais que se editam por lei, necessariamente federal[1]
O § 2º do referido art. 236 prevê que as normas gerais dos emolumentos, a serem cobrados pelos serviços prestados, devem ser estabelecidas por legislação federal. Tal dispositivo apenas tornou-se plenamente eficaz com a edição da Lei nº 10.169/2000, que, regulando o aludido parágrafo, disciplinou a fixação de emolumentos.
No que toca aos emolumentos, porém, a disciplina extrapola a lei federal, já que esta se restringe a estabelecer parâmetros gerais para a matéria, deixando a cargo das leis estaduais a fixação efetiva do valor dos emolumentos, matéria esta, por sua vez, de competência estadual.
Em relação à matéria registral, de acordo com o art. 22, inciso XXV, da Constituição Federal, compete privativamente à União legislar sobre registros públicos. Em consequência, a atividade técnica registral é atualmente regulamentada pela Lei Federal 6.015, de 31 de dezembro de 1973, denominada de Lei dos Registros Públicos, a qual nas “Disposições Gerais” regula as atribuições, da escrituração, da ordem do serviço, da publicidade, da conservação e da responsabilidade”.
“Além do regime jurídico da atividade normatizado pela Carta Maior e pelas leis mencionadas, o Registro Civil das Pessoas Naturais tem outras diretrizes traçadas na Lei nº 8.935/1994, que versa sobre serviços notariais e de registro em geral, sendo comumente chamada de “Lei dos Cartórios”.
Há, ainda, disposições relativas ao regime jurídico da atividade disciplinadas pelo Código Civil, a exemplo do elenco de atos de registro e de averbação nos registros públicos previsto respectivamente no art. 9º e 10[2], da capacidade para contrair matrimônio (arts. 1.517 a 1.520), impedimentos (arts. 1.521 e 1.522) e causas suspensivas (arts. 1.523 e 1.524), do processo de habilitação para o casamento (arts. 1.525 a 1.532), dentre outras matérias.
Outrossim, há outras leis que disciplinam questões e procedimentos registrais, aplicados exclusivamente no Registro Civil das Pessoas Naturais, como a Lei nº 8.560/1992, que trata da investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento e dá outras providências diretamente relacionadas ao registro de nascimento e à emissão das certidões respectivas, o Decreto-Lei nº 3.200/1941, que regula, dentre outros temas relativos à proteção da família, o casamento de parentes colaterais em terceiro grau[3], a Lei nº 8.971/1994, que expõe sobre o direito dos companheiros, a Lei nº 9278/1996, que normatiza o § 3° do art. 226 da Constituição Federal, dentre outras”.
Importante, ainda, mencionar a Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991, que expressamente dispõe sobre os registros civis de arquivos religiosos e entidades da mesma natureza, produzidos anteriormente à vigência do Código Civil[4]”.
Fonte: KÜMPEL, Vitor Frederico et. al., Tratado Notarial e Registral vol. II, 1ª ed, São Paulo: YK Editora, 2017, p. 359/362.
[1] Quanto ao tema: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 8.033/2003, DO ESTADO DO MATO GROSSO, QUE INSTITUIU O SELO DE CONTROLE DOS ATOS DOS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO, PARA IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA DE CONTROLE DAS ATIVIDADES DOS NOTÁRIOS E DOS REGISTRADORES, BEM COMO PARA OBTENÇÃO DE MAIOR SEGURANÇA JURÍDICA QUANTO À AUTENTICIDADE DOS RESPECTIVOS ATOS. (…) f) as atividades notariais e de registro não se inscrevem no âmbito das remuneráveis por tarifa ou preço público, mas no círculo das que se pautam por uma tabela de emolumentos, jungidos estes a normas gerais que se editam por lei necessariamente federal.” (STF, Tribunal Pleno, ADI n. 3.151/MT, rel. Carlos Britto, j. 8-6-2005).
[2] Art. 9º do CC/2002: “Serão registrados em registro público: I – os nascimentos, casamentos e óbitos; II – a emancipação por outorga dos pais ou por sentença do juiz; III – a interdição por incapacidade absoluta ou relativa; IV – a sentença declaratória de ausência e de morte presumida.”
Art. 10 do CC/2002: “Far-se-á averbação em registro público: I – das sentenças que decretarem a nulidade ou anulação do casamento, o divórcio, a separação judicial e o restabelecimento da sociedade conjugal; II – dos atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a filiação.”
[3] Existe uma discussão doutrinária acerca da revogabilidade do Decreto-Lei nº 3.200/1941 após a vigência do atual Código Civil. A maioria da doutrina moderna tem entendido que, por ser norma especial, o Decreto não foi revogado pela nova legislação civil e, portanto, não seria causa de impedimento matrimonial o casamento entre parentes colaterais de terceiro grau, desde que com a apresentação de exames pré-nupciais que favorecem a relação entre estes parentes. Diversamente, a lei civil atual tecnicamente veda o casamento e a união estável entre parentes colaterais de terceiro grau, de modo que pela corrente civilista minoritária, o Decreto-Lei nº 3.200/1941 teria sido revogado pelo atual Código Civil com fundamento no critério cronológico.
[4] A lei identifica como de interesse público e social os referidos arquivos e assentamentos. Assim, estes registros contidos nos livros de batizados, casamentos e óbitos, bem como os imobiliários, anteriores à Proclamação da República, têm valor jurídico e histórico inestimáveis. É importante mencionar que os assentamentos e arquivos em questão têm interesse difuso e natureza ambiental (art. 225, da Constituição Federal de 1988).