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Provimento 100, CNJ: Decisão da Corregedoria do Mato Grosso fixa interpretação sobre competência territorial para atos eletrônicos

CGJ/MT: EMENTE. SENTENÇA – NEGATIVA DE REGISTRO DE ESCRITURA LAVRADA PELO SISTEMA E-NOTARIADO – COMPETÊNCIA TERRITORIAL – INTERPRETAÇÃO CONTRÁRIA AO ART. 19, § 2º, DO PROVIMENTO CNJ Nº 100/2020 – ESCRITURA QUE DEVERIA TER SIDO LAVRADA POR NOTÁRIO DA COMARCA DA SITUAÇÃO DO IMÓVEL –  DESCABIMENTO – MELHOR INTERPRETAÇÃO NO SENTIDO DA COMPETÊNCIA DE QUALQUER NOTÁRIO DO ESTADO DA SITUAÇÃO DO IMÓVEL – INTERPRETAÇÃO CONJUNTA DOS ARTS. 6º E 19 DO PROVIMENTO – ESCRITURA CORRETAMENTE LAVRADA – LEVANTAMENTO DO ÓBICE – IMPROCEDÊNCIA – RECOMENDAÇÃO AOS REGISTRADORES DE IMÓVEIS.

 

Processo n.º 0046347-79.2021.8.11.0000

Vistos. – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

Trata-se de solicitação formulada pela Delegatária do Tabelionato e Registro Civil de Pessoas Naturais do Distrito de Bom Jardim Nobres/MT, Senhora Rubismara Rodrigues de Sales, para Corregedoria manifestar acerca da negativa de serventia de registro de imóvel em receber a escritura realizada pelo e-notário, em razão de interpretação contrária ao estabelecido no parágrafo segundo do artigo 19 do Provimento n.º 100/2020 do Conselho Nacional de Justiça.

É o Relatório.

Decido.

A matéria aqui tratada não diz respeito à suscitação de dúvida que tem procedimento próprio estabelecido no artigo 198 e seguintes da Lei n.º 6015/1973 e nos artigos 685 a 692 do Código de Normas Gerais da Corregedoria Geral da Justiça-CNGCE, mas trata de consulta de interesse e repercussão geral de abrangência estadual concernentes à matéria do foro extrajudicial prevista no artigo 12 da CNGCE.

O Conselho Nacional de Justiça, por meio do Provimento n.º 100/2020-CNJ de 26 de maio de 2020, autorizou a prática de atos notarias eletrônicos em todos os tabelionatos de Notas do Brasil. Torna-se possível lavrar escrituras públicas de forma eletrônica, com a mesma segurança jurídica dos atos realizados presencialmente, tudo por meio da plataforma do E-notariado, que foi implementada e mantida pelo Colégio Notarial do Brasil – Conselho Federal.

A questão aqui trazida, trata-se sobre a competência territorial para lavrar os atos eletrônicos nos tabelionatos. O Provimento n.º 100/2020-CNJ, estabeleceu competência territorial absoluta para a prática desses atos, mitigando o Princípio da Livre Escolha do Tabelião de notas pelas partes, previsto no artigo 8º da Lei n.º 8.935/1994, com o objetivo de evitar a concorrência predatória por serviços prestados remotamente que podem ofender a fé pública notarial, já que os emolumentos têm valores diferentes de Estado para Estado.

Nesse sentido, o artigo 19 do Provimento n.º 100/2020-CNJ, estabelece qual o tabelião competente para lavrar o ato quando a escritura eletrônica envolver imóvel será o notário do local (município ou circunscrição) de situação do imóvel ou do domicílio do adquirente, à escolha das partes, senão veja-se:

“Art. 19. Ao tabelião de notas da circunscrição do imóvel ou do domicílio do adquirente compete, de forma remota e com exclusividade, lavrar as escrituras eletronicamente, por meio do e-Notariado, com a realização de videoconferência.” (Grifo nosso).

Na sequência, o § 1º do artigo 19 do Provimento n.º 100/2020-CNJ, complementando o caput do aludido dispositivo, determinou que “[…] Quando houver um ou mais imóveis de diferentes circunscrições no mesmo ato notarial, será competente para a prática de atos remotos o tabelião de quaisquer delas […]”. O que significa dizer que, quando o ato envolver imóveis situados em diferentes circunscrições, será competente o notário de qualquer uma delas.

Contudo, o § 2º do mesmo artigo, amplia a interpretação no qual registra que:

“[…] § 2º Estando o imóvel localizado no mesmo estado da federação do domicílio do adquirente, este poderá escolher qualquer tabelionato de notas da unidade federativa para a lavratura do ato. […].” (Grifo nosso).

Convém registrar que o livro de Tabelionato de Notas – 4ª Edição – Autores Paulo Roberto Giger Ferreira e Felipe Leonardo Rodrigues, Coordenado pelo Christiano Cassettari, ensina da seguinte forma:

“[…] Outra regra, amplia a competição, informando que estando o imóvel localizado no mesmo estado da federação do domicílio do adquirente (o comprador, a parte que está adquirindo o direito real ou a parte em relação à qual é reconhecido o crédito) este poderá escolher qualquer tabelionato de notas da unidade federativa para a lavratura do ato. A competência para lavratura de escrituras imobiliárias eletrônicas é, portanto, dirigida a qualquer tabelião do estado em que se localiza o imóvel […].”

Ademais, no artigo – Competência territorial para a prática de atos notariais eletrônicos – por José Flávio Bueno Ficher e Caroline Edith Mosmam dos Santos, a regra do parágrafo segundo do artigo 19 do Provimento n.º 100/2020-CNJ, publicado no endereço eletrônico:

http://www.notariado.org.br/blog/notarial/artigo-competencia-territorial-para-pratica-de-atos-notariais-eletronicos-por-jose-flavio-bueno-fischer-e-carolina-edith-mosmam-dos-santos:

“[…] Entendemos que a melhor interpretação é a que se o domicílio do comprador for no mesmo Estado de localização do imóvel, o ato eletrônico poderá ser lavrado em qualquer Tabelionato de Notas daquele Estado. Este entendimento vai ao encontro do objetivo do Provimento de se evitar a concorrência predatória entre notários, já que dentro do mesmo Estado, os emolumentos são idênticos, não havendo prejuízo na livre escolha do tabelião dentro da mesma Unidade Federativa.”

Sobre o assunto, a Corregedoria do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, já se posicionou acerca do parágrafo segundo do artigo 19 do Provimento n.º 100-CNJ, a saber:

“[…] Que a circunscrição para lavratura de escrituras eletrônicas é qualquer tabelionato de notas do Estado em que esteja localizado o imóvel, desde que esteja no mesmo Estado da Federação do domicílio do adquirente […].” (Circular n.º 184 de 16/07/2021).

Ao caso em análise, nota-se que a nota devolutiva emitida no dia 10/09/2021 pelo 6º Serviço Notarial e Registral da Comarca de Cuiabá/MT, Protocolo n.º CEI/ANOREG #441021, alega a incompetência do Tabelionato de Paz e Notas do Distrito de Bom Jardim da Comarca de Nobres/MT para a lavratura de escritura pública pela plataforma e-notariado, por entender que, estando o imóvel localizado na mesma comarca do domicílio do adquirente, pela aplicação do artigo 6° do Provimento n.º 100/2020-CNJ, será competente apenas o Tabelião daquela comarca, senão veja-se:

“Art. 6º. A competência para a prática dos atos regulados neste Provimento é absoluta e observará a circunscrição territorial em que o tabelião recebeu sua delegação, nos termos do art. 9º da Lei n. 8.935/1994.” (Grifo nosso).

A interpretação do Cartório do 6º Ofício da Comarca de Cuiabá/MT está equivocada, na medida em que distingue a competência de forma ilegal e desprestigia as excepcionalidades e os fundamentos trazidos pelo inovador Provimento n.º 100/2020-CNJ.

Assim, é importante entender o propósito do Provimento ao delimitar a territorialidade como parâmetro para estabelecimento da competência, o aludido Provimento objetiva essencialmente, coibir a concorrência predatória entre notários. O parágrafo 2º do artigo 19 reforça tal objetivo, visto que, dentro da mesma unidade federativa, os emolumentos são idênticos não havendo, portanto, nenhum óbice, tampouco qualquer prejuízo quando da livre escolha do Tabelião.

Nesse diapasão, registra-se que, embora em um primeiro momento pareçam antagônicos os artigos 6º e 19 do Provimento e o 8º da Lei n.º 8.935/94, em verdade, a ideia posta tem como finalidade apenas evitar a concorrência predatória em serviços prestados remotamente, não desprestigiando, por outro lado, a livre escolha do tabelião dentro do território estadual, quando for a hipótese de escritura de imóvel no mesmo domicilio do adquirente.

Outrossim, a recusa na prestação do serviço por ora questionado, vai de encontro ao proposto pelo Provimento n.º 100/2020-CNJ, dado que, a sua criação visa a manutenção dos serviços extrajudiciais, porquanto se tratam de atividades indispensáveis ao exercício da cidadania, que devem ser prestadas de forma eficiente e contínua.

Assim, frisa-se que o artigo 8º da Lei n.º 8.935/94 é a regra geral prevista para os atos presenciais, devendo ser aplicada também para os casos de escritura não presencial, via e-notariado.

Portanto, apesar das regras de hermenêutica e integração do direito serem suficientes para a correta interpretação do Provimento destacado, legitimando o ato notarial praticado pelo Tabelionato de Paz e Notas do Distrito de Bom Jardim da Comarca de Nobres/MT.

Dessa forma, em homenagem à segurança jurídica que norteia a atividade notarial, a qual deve ser prestada do forma contínua, eficiente e uniforme à sociedade, entendo que a norma é cristalina, não havendo margem a outro entendimento e, portanto, determino aos Registradores de Imóveis deste Estado que observem as regras contidas no artigo 19, especialmente, a que está prevista no § 2º, a qual prestigia a livre escolha do usuário, no sentido de que o imóvel localizado no mesmo Estado da Federação do domicílio do Adquirente, autoriza que a escritura eletrônica seja realizada por meio do e-notariado, podendo ser lavrada em quaisquer Tabelionatos de Notas do Estado de Mato Grosso.

Dê conhecimento da presente decisão aos Registradores de Imóveis, aos Tabeliães de Notas e aos Diretores do Foro.

Por medida de celeridade e economia processual, a cópia do(a) presente despacho/decisão servirá como ofício, nos termos da Ordem de Serviço n.º 01/2016-CGJ.

Cumpra-se.

Cuiabá/MT,26 de outubro de 2021.

Desembargador JOSÉ ZUQUIM NOGUEIRA

Corregedoria-Geral da Justiça

Dados do processo: TJMT – Expediente nº 0046347-79.2021.8.11.0000 – Rel. Des. José Zuquim Nogueira – DJ 26.10.2021

 

Fonte: Portal do RI.