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Consulta discute sobre sobre a extinção da delegação em decorrência de aposentadoria do delegatário

Autos: CONSULTA – 0000104-50.2022.2.00.0000

Requerente: CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ – CGJPR

Requerido: CORREGEDORIA NACIONAL DE JUSTIÇA

EMENTA

CONSULTA. EXTRAJUDICIAL. DELEGATÁRIO. APOSENTADORIA FACULTATIVA. EXTINÇÃO DA DELEGAÇÃO. ART. 39, II, DA LEI 8.935/1994. LEI DE CARTÓRIOS. INTERPRETAÇÃO. TEMPO PRESTADO SOB A QUALIDADE DE DELEGATÁRIO.  HIPÓTESES. DISTINÇÃO. CONSULTA RESPONDIDA.

1.  Consulta em que se indaga a respeito da interpretação do art. 39, inciso II, da lei 8.935/1994 (lei de cartórios), que trata da extinção da delegação em decorrência de aposentadoria do delegatário.

2.   Resposta lastreada em manifestação técnica da Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro.

3.  No contexto de nenhuma fração do tempo de serviço ou do tempo de contribuição suficiente à aposentadoria facultativa ter sido prestado sob a qualidade de delegatário, a aposentadoria (integral ou proporcional), especial, por tempo de contribuição ou por tempo de serviço não pode ser considerada causa justa para extinção da delegação.

4.   O efeito previsto no inciso II do artigo 39 da Lei n. 8.935/1994 (extinção da delegação) aplica-se exclusivamente ao delegatário que usa (ou tenciona usar) frações do tempo de serviço ou de contribuição, prestados sob qualidade de titular de delegação, para aposentar-se facultativamente.

5. O entendimento firmado nesta Consulta deve ser aplicado com introdução de regime de transição e com preservação de situações já consolidadas.

6.   Consulta respondida.

ACÓRDÃO – Decisão selecionada e originalmente divulgada pelo INR –

O Conselho, por unanimidade, respondeu a consulta nos seguintes termos: 1) O efeito previsto no inciso II do artigo 39 da Lei n. 8.935/1994 (extinção da delegação) aplica-se exclusivamente ao delegatário que usa (ou tenciona usar) frações do tempo de serviço ou de contribuição, prestados sob qualidade de titular de delegação, para aposentar-se facultativamente. 2) O entendimento firmado nesta Consulta deve ser aplicado com introdução de regime de transição e com preservação de situações já consolidadas, nos termos do voto da Relatora. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux. Plenário Virtual, 26 de agosto de 2022. Votaram os Excelentíssimos Conselheiros Luiz Fux, Maria Thereza de Assis Moura, Vieira de Mello Filho, Mauro Pereira Martins, Salise Sanchotene (Relatora), Jane Granzoto, Richard Pae Kim, Marcio Luiz Freitas, Giovanni Olsson, Sidney Madruga, João Paulo Schoucair, Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, Marcello Terto, Mário Goulart Maia e Luiz Fernando Bandeira de Mello.

RELATÓRIO

Trata-se de Consulta (CONS) formulada pela Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Paraná, por meio do qual indaga a respeito da interpretação do art. 39, inciso II, da lei n. 8.935/1994, que trata da extinção da delegação em decorrência de aposentadoria do delegatário.

A consulente apresenta os seguintes questionamentos:

1. Dentre as interpretações conferidas ao art. 39, inc. II, da Lei n. 8.935/1994, explicitadas na fundamentação (interpretação literal do preceito legal; interpretação conforme a Constituição; manutenção das delegações daqueles que já eram aposentados ao tempo da outorga; necessidade de que a aposentadoria facultativa tenha ocorrido no exercício da função delegada; e necessidade de que o delegatário aposentado demonstre desinteresse em permanecer no exercício da atividade) ou outras que vierem a surgir no decorrer do procedimento, qual é a correta?

2. Caso a resposta ao item anterior tenha como consequência a extinção das delegações em decorrência da aposentadoria facultativa, quais medidas administrativas devem ser adotadas pelas Corregedorias Estaduais, à luz do disposto nos arts. 23 e 24 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro?

Sugere, ainda, a coleta de informações sobre o tema perante as Corregedorias locais, bem como regulamentação da matéria, em nível nacional.

Solicitou-se manifestação técnica da Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro (CONR) da Corregedoria Nacional de Justiça (id. 4586021).

Sobreveio aos autos o parecer elaborado pela CONR (id. 4659681), aprovado pela Ministra Corregedora (id. 4666421).

Amauri Roberto Balan requereu ingresso no feito como terceiro interessado (id. 4671130). O pedido formulado foi indeferido (id. 4673562).

É o relatório.

VOTO

A Consulta formulada pela Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Paraná busca dirimir dúvidas a respeito da interpretação do art. 39, inciso II, da lei n. 8.935/1994, que trata da extinção da delegação em decorrência de aposentadoria do delegatário:

Art. 39. Extinguir-se-á a delegação a notário ou a oficial de registro por:

I – morte;

II – aposentadoria facultativa;

III – invalidez;

IV – renúncia;

V – perda, nos termos do art. 35.

VI – descumprimento, comprovado, da gratuidade estabelecida na Lei no 9.534, de 10 de dezembro de 1997.

A Coordenadoria de Gestão de Serviços Notariais e de Registro bem sintetizou a controvérsia posta nos autos (id. 4659681, p. 1/2):

Na peça vestibular (Id 4585241), a consulente apresentou três diferentes entendimentos quanto ao tema. Indicou que no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, dois entendimentos diversos já foram aplicados, quais sejam:

I) na gestão do biênio 2019/2021, entendimento pelo qual “(…) aqueles que se aposentaram antes de ingresso na atividade foram mantidos “em respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito… e à irretroatividade da lei para atingir fatos anteriores consolidados”. Os que se aposentaram após o ingresso na atividade também foram mantidos, mas com base em fundamento jurídico distinto, qual seja, juízo de inconstitucionalidade no sentido de que a única interpretação do art. 39, inc. II, da Lei 8.935/1994, compatível com a Constituição Federal, é aquela que admite exercício da delegação após a aposentadoria facultativa, considerando a mudança do regime previdenciário promovida pela Emenda Constitucional 20/1998.(…)”.

II) na gestão posterior, entendimento pelo qual “(…) conferiu-se, ao preceito legal, interpretação conforme a Constituição, de modo a afastar a sua incidência sob o fundamento de que a aposentadoria pelo RGPS não impede que o delegatário continue no exercício da atividade delegada, pois a extinção da delegação pela aposentadoria facultativa decorria do outrora regime previdenciário a que estavam submetidos os agentes delegados (Regime Próprio dos Servidores Públicos – RPPS). Consignou-se, ainda, que posicionamento em sentido contrário impediria o exercício do direito social conquistado e representaria aposentadoria compulsória indireta, medida já rechaçada pelo STF em relação aos agentes delegados. 

A CGJ/PR apresentou, outrossim, entendimento que estaria sendo adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, segundo o qual: “(…) a) o tempo de contribuição em atividade diversa da notarial e registral não autoriza a extinção da delegação em razão da aposentadoria facultativa a que se refere o artigo 39, inciso II, da Lei dos Cartórios; e b) a aposentadoria facultativa prevista no artigo 39, inciso II, da Lei dos Cartórios, é aquela que se opera em relação ao titular da delegação nesta condição. (…)”.

Ainda de acordo com a Corregedoria consulente:

“(…)

Outra controvérsia a respeito do tema reside no fato de que, como a delegação é exercida em caráter privado e os notários e registradores não se submetem à aposentadoria compulsória, a aposentadoria facultativa só extinguiria a delegação nas situações em que os delegatários jubilados demonstrassem desinteresse em continuar no exercício da atividade. Sem manifestação de vontade nesse sentido, nada impediria a permanência do aposentado no exercício da função.

Verifica-se, pois, a existência de um cenário de indefinição acerca do real alcance do art. 39, inc. II, da Lei 8.934/1994, sendo plausível inferir que as Corregedorias dos demais Estados também estejam dispensando tratamento jurídico distinto a delegatários em situação idêntica, considerando as várias possibilidades: interpretação literal do preceito em comento; interpretação conforme a Constituição; manutenção das delegações daqueles que já eram aposentados ao tempo da outorga; necessidade de que a aposentadoria facultativa tenha ocorrido no exercício da função delegada; e necessidade de que o delegatário aposentado demonstre desinteresse em permanecer no exercício da atividade.

(…)” 

Nota-se que o objeto desta Consulta envolve interpretação cuja análise circunscreve-se a aspectos estritamente técnicos. Nesse sentido, cabe invocar o disposto no § 1° do art. 50 da lei n. 9784/1999, que expressamente consagra a idoneidade da motivação respaldada em fundamentos de anteriores pareceres.

Ao anuir com a manifestação exarada pela CONR, acolho integralmente o parecer de id. 4659681, cujo teor reproduzo:

O entendimento pelo qual delegatários notários e delegatários registradores não estão sujeitos à aposentadoria compulsória está consolidado, tanto no âmbito do Supremo Tribunal Federal (RE 254.065-SP; ADIn 2.602-MG; AI 681.267-SP; ADI 1.183), quanto no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (RMS 19.664-MG; RMS 17.122-RS; e RMS 19.706-SC). Confira– se:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PROVIMENTO N. 055/2001 DO CORREGEDOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. NOTÁRIOS E REGISTRADORES. REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES PÚBLICOS. INAPLICABILIDADE. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 20/98. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE EM CARÁTER PRIVADO POR DELEGAÇÃO DO PODER PÚBLICO. INAPLICABILIDADE DA APOSENTADORIA COMPULSÓRIA AOS SETENTA ANOS. INCONSTITUCIONALIDADE.

1. O artigo 40, § 1º, inciso II, da Constituição do Brasil, na redação que lhe foi conferida pela EC 20/98, está restrito aos cargos efetivos da União, dos Estados– membros, do Distrito Federal e dos Municípios — incluídas as autarquias e fundações.

2. Os serviços de registros públicos, cartorários e notariais são exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público — serviço público não-privativo.

Os notários e os registradores exercem atividade estatal, entretanto não são titulares de cargo público efetivo, tampouco ocupam cargo público. Não são servidores públicos, não lhes alcançando a compulsoriedade imposta pelo mencionado artigo 40 da CB/88 — aposentadoria compulsória aos setenta anos de idade.

3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente”

(ADI 2602, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 24/11/2005, DJ 31-03-2006 PP-00006 EMENT VOL-02227-01 PP-00056)

Aludido entendimento deve, portanto, nortear a aplicação do quanto previsto no  inciso II do artigo 39 da Lei n. 8.935/1994, que prevê a aposentadoria facultativa como hipótese extintiva da delegação.

Na perspectiva que se desenvolve, importa recordar que delegatários de serviços notariais e de registro não são servidores públicos. São particulares em colaboração com o  Estado e, sob tal qualidade, não estão sujeitos ao regime previdenciário do servidor público. A outorga de delegação do serviço notarial e de registro não equivale à posse em cargo público.

Também não se confundem entre si a extinção da delegação por aposentadoria facultativa (Lei n. 8.935/1994, art. 39, II), e a vacância do cargo público pela aposentadoria do servidor público federal (Lei n. 8.112/1990, art. 32, VII).

Para fins previdenciários, nos termos da Lei n. 8.935/1994 (artigo 40) e da Lei n. 8.212/1991 (artigo 12, V), notários e registradores são considerados contribuintes individuais e, quando atendem aos requisitos da Lei n. 8.213/1991, fazem jus à aposentadoria por idade, por tempo de contribuição ou especial, bem como à aposentadoria por invalidez.

Dentre tais aposentadorias, a única que inadmite retorno do segurado aposentado à atividade é a aposentadoria por invalidez, que pressupõe incapacidade omniprofissional (que é incapacidade total e definitiva para todo e qualquer trabalho).

Excluídas considerações acerca de efeitos previdenciários, regra geral, o trabalhador titular de aposentadoria especial, de aposentadoria por idade ou de aposentadoria por tempo de contribuição pode continuar trabalhando, exercendo outras atividades ou as mesmas atividades nas quais acumulou condições especiais, tempo de serviço ou de tempo contribuição, utilizados para obtenção da aposentadoria. Este dado de realidade não se aplica integralmente aos delegatários do serviço notarial e de registro, conforme se verá adiante.

Se, por um lado não é possível deferir, ao inciso II do artigo 39 da Lei n. 8.935/1994, interpretação que lhe esvazie o conteúdo por completo, por outro, não é possível conferir, ao citado dispositivo, interpretação inalcançada pela jurisprudência que se consolidou na Corte Constitucional. Haverá casos em que a aposentadoria facultativa implicará na extinção da delegação e haverá casos em que o aposentado facultativamente poderá continuar exercendo a delegação.

Sob a ressalva de que aposentadoria especial somente é concedida mediante prova de tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante o período mínimo fixado na legislação, destacam-se três contextos possíveis para o delegatário com direito adquirido à aposentadoria:

Primeiro contexto – nenhuma fração do tempo de serviço ou do tempo de contribuição, suficiente à aposentadoria facultativa, foi prestada sob a qualidade de delegatário;

Segundo contexto – apenas parte do tempo de serviço ou do tempo de contribuição, suficiente à aposentadoria facultativa, foi prestada sob a qualidade de delegatário; e

Terceiro contexto – todo o tempo de serviço ou todo o tempo de contribuição, suficiente à aposentadoria facultativa, foi prestado sob a qualidade de delegatário.

Parece indene de dúvidas que a aposentadoria (integral ou proporcional), especial, por tempo de contribuição ou por tempo de serviço, obtida sob a condição descrita no primeiro contexto, não pode ser considerada causa justa para extinção da delegação. É irrazoável supor que a delegação conquistada em concurso de provas e títulos não possa ser outorgada ou deva ser extinta, em prejuízo daquele que tenha se aposentado voluntariamente, mediante uso exclusivo de tempo de serviço e/ou de tempo de contribuição anteriores ao estabelecido para outorga da delegação.

O segundo e o terceiro contextos são substancialmente diferentes do primeiro. Nestes, o interessado ingressa, sob qualidade de delegatário, na atividade notarial e de registro, apenas com expectativa de direito à aposentadoria. Tanto no segundo quanto no terceiro contextos, o direito à aposentadoria facultativa (integral ou proporcional) configura-se tão-somente com o cômputo de tempo de serviço ou de contribuição prestados especificamente sob qualidade de delegatário.

Assim, e em resposta à consulta, afirma-se que o efeito previsto no inciso II do artigo 39 da Lei n. 8.935/1994 (extinção da delegação) aplica-se exclusivamente ao delegatário que usa (ou tenciona usar) frações do tempo de serviço ou de contribuição, prestados sob qualidade de titular de delegação, para aposentar-se facultativamente.

Por fim, sugere-se que o entendimento declinado nesta manifestação, caso venha a ser acolhido pelo eminente Conselheiro autor da requisição de parecer técnico, o seja mediante observância cumulativa das previsões inscritas nos artigos 23 e 24 do Decreto-Lei n. 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), com introdução de regime de transição e com preservação de situações já consolidadas.

É o parecer.

(Parecer CONR – ID. 4659681)

Extrai-se do opinativo que os casos concretos apresentam distinções, pois a aposentadoria facultativa nem sempre acarretará a extinção da delegação. Os dizeres do parecer podem ser mais bem visualizados por meio da tabela abaixo:

CONTEXTOS

APOSENTADORIA

APLICAÇÃO DO ART. 39, II DA LEI N. 8.935/1994 

(EXTINÇÃO DA DELEGAÇÃO)

nenhuma fração do tempo de serviço ou do tempo de contribuição, suficiente à aposentadoria facultativa, foi prestada sob a qualidade de delegatário a aposentadoria (integral ou proporcional), especial, por tempo de contribuição ou por tempo de serviço não pode ser considerada causa justa para extinção da delegação Não
apenas parte do tempo de serviço ou do tempo de contribuição, suficiente à aposentadoria facultativa, foi prestada sob a qualidade de delegatário o direito à aposentadoria facultativa (integral ou proporcional) configura-se tão-somente com o cômputo de tempo de serviço ou de contribuição prestados especificamente sob qualidade de delegatário Sim
todo o tempo de serviço ou todo o tempo de contribuição, suficiente à aposentadoria facultativa, foi prestado sob a qualidade de delegatário o direito à aposentadoria facultativa (integral ou proporcional) configura-se tão-somente  com o cômputo de tempo de serviço ou de contribuição prestados especificamente sob qualidade de delegatário Sim

Ante o exposto, respondo à Consulta, nos seguintes termos:

1) O efeito previsto no inciso II do artigo  39 da Lei n. 8.935/1994 (extinção da delegação) aplica-se exclusivamente ao delegatário que usa (ou tenciona usar) frações do tempo de serviço ou de contribuição, prestados sob qualidade de titular de delegação, para aposentar-se facultativamente.

2) O entendimento firmado nesta Consulta deve ser aplicado com introdução de regime de transição e com preservação de situações já consolidadas.

É o voto.

Intimem-se as Corregedorias-Gerais da Justiça dos Tribunais de Justiça dos Estados e do DF e, após, arquive-se.

Brasília, 21 de junho de 2022.

Conselheira Salise Sanchotene

Fonte: CNJ