A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu habeas corpus para retirar um bebê de um ano e quatro meses do abrigo institucional e mantê-lo sob a guarda de seus supostos padrinhos até o julgamento final de todas as ações que discutem a guarda e o acolhimento institucional. Esse entendimento é o mesmo adotado pela turma em habeas corpus anterior.
Na decisão unânime, o colegiado acolheu pedido de habeas corpus impetrado em nome da criança após o tribunal estadual negar efeito suspensivo à apelação contra sentença que julgou procedente a ação de acolhimento institucional proposta pelo Ministério Público estadual. Na sentença, o magistrado determinou a busca e apreensão do bebê e a sua colocação em acolhimento institucional, por concluir que houve burla ao cadastro geral de adoção.
Entretanto, de acordo com a Terceira Turma, a observância do cadastro de adotantes não é absoluta, pois deve ser analisada em consonância com o princípio do melhor interesse da criança, que é o fundamento de todo o sistema de proteção ao menor.
Guarda de fato
Logo após o nascimento, o bebê foi entregue pelos pais biológicos – declaradamente usuários de drogas e alcoólatras – aos padrinhos, que passaram a exercer a guarda de fato. Para o juiz, a entrega do bebê à família foi realizada por meio da burla do cadastro de adoção. Ele entendeu ainda que o direito da criança à convivência com os irmãos foi comprometido e que a adoção de todo o grupo familiar, como determina o artigo 50, parágrafo 15, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), foi prejudicada.
Ao determinar o acolhimento, o magistrado entendeu que a criança havia firmado apenas laços superficiais com a família, em razão da pouca idade, e que o abrigamento deveria ocorrer apenas pelo tempo necessário à definição quanto ao seu retorno ao lar ou a sua colocação em família extensa ou substituta.
Houve, então, novo pedido de habeas corpus, no qual os padrinhos alegaram que o bebê necessita de cuidados médicos especiais em virtude de alguns problemas de saúde e que estava se recuperando de uma cirurgia delicada quando foi retirado de casa e levado para o abrigo. Eles também alegaram que a criança recebe todos os cuidados pessoais e afetivos, inclusive com a possibilidade de contato com os outros membros da família biológica, como os pais e os irmãos.
Medida excepcional
O ministro Villas Bôas Cueva, relator, afirmou que, quando não há condições estáveis no ambiente familiar, necessárias ao desenvolvimento saudável da criança, é cabível falar em acolhimento institucional – medida excepcional e, muitas vezes, traumática.
Por se tratar de solução que pode influenciar na evolução e na personalidade de pessoas tão vulneráveis, o relator ressaltou que “é aconselhável que o abrigamento perdure o mínimo tempo possível e apenas seja adotado quando imprescindível, com o obrigatório acompanhamento estatal, dada a sua importância para a sociedade em geral”.
O ministro também lembrou que o conceito de estrutura familiar vem sendo ampliado devido à dinâmica social, não se limitando à família natural, mas admitindo a inclusão da ideia de família substituta em inúmeras formas, como guarda, tutela e adoção formal ou informal – esta última, muitas vezes, motivada pelas dificuldades que envolvem o procedimento legal brasileiro, considerado burocrático e demorado.
“Por oportuno, consigne-se que a carência de políticas públicas para facilitar a inclusão de crianças em famílias substitutas aptas a tanto, e a inexistência de recursos destinados a ações conjugadas em todo o âmbito federativo com o intuito de facilitar a adoção legal, acabam por estimular caminhos indubitavelmente questionáveis do ponto de vista formal, mas irrefutáveis do ponto de vista social”, sublinhou o ministro.
Sensibilidade do juiz
Villas Bôas Cueva enfatizou que o Judiciário tem realizado, a cada caso concreto, a avaliação de como se dará o bem-estar de crianças e adolescentes entregues por familiares, informalmente, aos cuidados de padrinhos ou terceiros interessados em exercer o poder familiar – o que evidentemente burla o cadastro de adoção e pode estimular práticas criminosas. “O destino dessas crianças acaba sendo definido a cada julgamento, a partir de premissas fáticas e da sensibilidade do magistrado”, ponderou.
Por outro lado, ao conceder o habeas corpus, o relator ponderou que o cadastro de adotantes não tem caráter absoluto. Com base em precedentes do STJ, o ministro lembrou que o combate a situações de aparente burla ao cadastro pode resultar em cenário igualmente temerário: o prolongamento do tempo de permanência do menor em instituição de acolhimento, em verdadeira inversão da ordem legal imposta pelo ECA – que estabelece o abrigamento como última medida, e não como a primeira.
Fonte: http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/07102020-Bebe-devera-permanecer-com-padrinhos-ate-julgamento-final-das-acoes-de-guarda-e-acolhimento.aspx