Vitor Frederico Kümpel, Marcos Claro da Silva e Natália Sóller
O PL 6.204/2019, que atualmente tramita na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, dispõe sobre a desjudicialização da execução civil de título executivo judicial e extrajudicial, visando alterar as leis 9.430/1996; 9.492/1997; 10.169/2000; e o Código de Processo Civil.
Essencialmente, seu maior objetivo é permitir que a execução de títulos seja conduzida pelo tabelião de protesto – que se tornaria o agente de execução -, tirando uma sobrecarga do Poder Judiciário, na medida em que extrajudicializa o processo de execução em determinadas situações. Trata-se de uma desburocratização da execução e títulos condenatórios de pagamento de quantia certa, a fim de reduzir os custos estatais e dar maior celeridade ao processo.
Com a leitura do texto do projeto de lei1, contudo, algumas questões são levantadas sobre os limites da atuação do agente de execução e da formalização dos títulos nesse procedimento. A saber.
Questiona-se, primeiramente, sobre a possibilidade de ingresso da certidão de protesto na matrícula dos imóveis, para fins de penhora ou outros gravames. Dispõe o art. 12 do referido Projeto: Art. 12. O agente de execução, de ofício, lavrará certidões referentes ao início da execução, ao arresto e à penhora para fins de averbação nos registros competentes, para presunção absoluta de conhecimento por terceiros.
O Registro de Imóveis está adstrito ao princípio da legalidade, de forma que apenas têm ingresso para registro na matrícula os títulos determinados por lei. O atual rol do art. 221 da lei 6.015/1973, inciso IV, admite, em termos de títulos oriundos de processo judicial, o registro de cartas de sentença, formais de partilha, certidões e mandados extraídos de autos de processo; parece, portanto, necessária uma adequação para que se permita o ingresso de títulos lavrados pelo agente de execução.
Além disso, é razoável que as ordens de gravames de bens emitidas pelo agente de execução cumpram com todos os requisitos necessários à qualificação pelo registrador de imóveis, contendo, por exemplo, a especialidade objetiva e subjetiva, as determinações de benefício da gratuidade da justiça concedido à parte, entre outros.
Outro ponto de debate é se, no caso de se promover adjudicação ou arrematação de imóvel no procedimento de execução extrajudicial, a certidão expedida pelo agente de execução seria um título hábil para a transmissão da propriedade ou se haveria a necessidade de uma segunda atuação do tabelião de notas a fim de lavrar uma ata notarial, ou mesmo materializar o negócio jurídico em escritura pública, para o registro da transferência.
Necessário pontuar que, na adjudicação ou arrematação, compete ao juiz a lavratura de dois documentos: o auto de adjudicação ou arrematação, o qual consiste no documento de materializa a transmissão da propriedade – configurando-se a transferência do direito real com a sua assinatura -; e a carta de adjudicação ou arrematação, que é o título hábil para ingresso no Registro de Imóveis, nos termos do referido art. 221, IV da LRP2.
Assim, a carta de adjudicação ou arrematação deve conter o auto de adjudicação arrematação devidamente assinados pelo juiz, arrematante, serventuário da justiça ou leiloeiro, a descrição completa do imóvel, o controle do recolhimento ITBI e a indicação da existência de ônus real ou gravames sobre o bem3.
Parece plenamente viável que o agente de execução lavre o auto de adjudicação ou arrematação no âmbito extrajudicial, fazendo o controle de recolhimento de imposto (o que já é próprio da atividade notarial e registral) e da completa descrição do imóvel. Há que se verificar, contudo, se o legislador optará por manter a competência para a lavratura da carta subsequente com o agente de execução ou se isso será designado ao tabelião de notas por meio de ata notarial ou escritura pública.
Num primeiro momento, tendo em vista que a transmissão da propriedade ocorre com a assinatura do auto, parece viável que o agente de execução também formalize o título da carta para ingresso no Registro de Imóveis, visto que ele está diretamente ligado ao procedimento de execução conduzido pelo agente.
Compete analisar, ainda, os limites do poder do agente de execução quanto aos requerimentos das partes. Da leitura do Projeto de Lei, infere-se que o agente de execução tem por objetivo administrar e conduzir o procedimento de execução, de forma que, atos de expropriação ou de demandem força devem ser praticados apenas com a intervenção do Judiciário, cabendo ao agente dar andamento a o que se mantiver dentro da regularidade do procedimento geral previsto em lei.
No mais, o agente de execução pode e deve encaminhar requerimentos mais sensíveis das partes para o juiz competente, estando seu papel mais voltado à realização da execução e satisfação do crédito, e não ao poder decisório de questões que envolvam mérito ou fujam do procedimento legalmente previsto.
Por fim, um ponto de extrema relevância é a exigência do protesto prévio do título para o início do procedimento de execução extrajudicial, nos termos do art. 6º, caput, do PL: Art. 6º. Os títulos executivos judiciais e extrajudiciais representativos de obrigação de pagar quantia líquida, certa, exigível e previamente protestados, serão apresentados ao agente de execução por iniciativa do credor.
Recentemente, foi feita uma proposta de emendas aprovadas no Senado Federal ao PL 4.188/20214, sobre o serviço de gestão especializada de garantias. Dentre elas, o art. 11-A da lei 9.492/1997 (que regulamenta o protesto de títulos), o qual permitiria que o tabelião de protesto realizasse conciliação entre credor e devedor, buscando uma composição entre as partes em fase prévia negocial, antes da efetivação do protesto5.
O referido projeto foi aprovado em Plenário no dia 3/10/2023 e aguarda somente a sanção presidencial para sua promulgação. Assim, a o que tudo indica, a inclusão do art. 11-A da lei 9.492/1997 será efetivada a fim de se estabelecer a fase preliminar de tentativa negocial anterior ao protesto do título.
Dessa forma, não parece razoável que o texto legal sobre o agente de execução mantenha a disposição do art. 6º do PL 6.204/2019, que estaria em desconformidade com a nova redação que incentiva a conciliação anterior ao protesto da dívida e, consequentemente, anterior à execução do título na via extrajudicial.
Apesar das questões práticas aqui discutidas, a instituição do agente de execução é medida necessária e importante para desonerar o Poder Judiciário, otimizando-se a atuação das serventias extrajudiciais, cujo serviço garante segurança e celeridade dos procedimentos.
Outras novidades serão analisadas, oportunamente, nesta coluna; sigam conosco!
Sejam felizes!
1 Disponível aqui. [Acesso em 22.10.2023].
2 KÜMPEL, Vitor Frederico – FERRARI, Carla Modina. Tratado Notarial e Registral. 1. ed. São Paulo: YK, 2020. vol. 5. Tomo 2. p. 2025.
3 Idem.
4 Disponível aqui. [Acesso em 22.10.2023]
5 Nos termos do relatório de emenda:
“Emenda nº 3 – Art. 1º; inciso II (alteração) e Art. 11-A (inclusão): o inciso II do art. 1º é reescrito para substituir a expressão “o aprimoramento das regras de garantias” por “o aprimoramento das regras de garantias e das medidas extrajudiciais para recuperação de crédito”; um novo art. 11-A é acrescentado para facultar ao credor apresentar ao tabelionato de protesto documento de dívida com proposta de solução negocial e para dar aos tabelionatos de protestos poderes para incentivarem a conciliação entre credor e devedor; e para receberem pagamento pelo credor.
Emenda nº 3: Trata-se de uma mera faculdade concedida aos tabeliães de protesto para que façam a intermediação da negociação entre credor e devedor. Não é um serviço obrigatório; ele só será prestado se os cidadãos entenderem que ele gera valor”.
*texto retirado do Portal Migalhas.