A Transfiguração da Alienação Fiduciária

Fernando Keutenedjian Mady

 

A medida provisória 922, de 2020, alterou o art. 9º da Lei 13.476, de 2017 e inseriu o compartilhamento de alienação fiduciária no sistema financeiro nacional. Sua aplicação é restrita a pessoas naturais e jurídicas com instituições dessa natureza. Visam aumentar o crédito ao consumidor e empresário, mediante a possibilidade de uso de um bem para constituir-se novos direitos reais de garantia.

Por essa nova espécie de propriedade fiduciária, há uma excepcionalidade criada no sistema. Antes restritas e especializadas a um débito – o que as distinguia das hipotecas, que não retiram a disponibilidade do bem para tanto – agora, as alienações fiduciárias e garantias reais, quando contratadas com instituições financeiras, podem ser usadas para outras operações. Assim, não se limitam a um débito apenas, malgrado a propriedade resolúvel pertença, neste direito real, ao credor fiduciário, de forma resolúvel.

Na mesma linha, a alienação fiduciária de imóvel, celebrada com credor específico, preenchida às condições lá estipuladas, poderá ser compartilhada a garantia para obtenção de crédito.

A modificação ocorreu no âmbito de  financiamento das microempresas e empresas de pequeno e médio porte, sobre o crédito presumido apurado com base em créditos decorrentes de diferenças temporárias, sobre o compartilhamento de alienação fiduciária e sobre a dispensa do cumprimento de exigências de demonstração de regularidade fiscal nas operações praticadas pelo Banco Central do Brasil em decorrência do disposto no art. 7º da Emenda Constitucional nº 106, de 7 de maio de 2020, e altera a Lei nº 13.476, de 28 de agosto de 2017, a Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015, e a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973.

Portanto, é parte pontual de uma série de pequenas alterações legislativas àquela em comento.

Lei nº 13.476, de 28 de agosto de 2017

Art. 4º A abertura de limite de crédito, no âmbito desta Lei, será celebrada por instrumento público ou particular, com pessoa física ou pessoa jurídica, e tratará das condições para celebração das operações financeiras derivadas, pelas quais o credor fará os desembolsos do crédito ao tomador, observados o valor máximo previsto no contrato principal e seu prazo de vigência.

Parágrafo único. O instrumento de abertura de limite de crédito referido neste artigo deverá conter os seguintes requisitos essenciais

I – o valor total do limite de crédito aberto;

II – o prazo de vigência;

III – a forma de celebração das operações financeiras derivadas;

IV – as taxas mínima e máxima de juros que incidirão nas operações financeiras derivadas, cobradas de forma capitalizada ou não, e os demais encargos passíveis de cobrança por ocasião da realização das referidas operações financeiras derivadas;

V- a descrição das garantias, reais e pessoais, com a previsão expressa de que as garantias constituídas abrangerão todas as operações financeiras derivadas nos termos da abertura de limite de crédito, inclusive as dívidas futuras;

VI – a previsão de que o inadimplemento de qualquer uma das operações faculta ao credor, independentemente de aviso ou interpelação judicial, considerar vencida antecipadamente as demais operações derivadas, tornando-se exigível a totalidade da dívida para todos os efeitos legais.

Art. 5º As operações financeiras derivadas serão celebradas mediante a manifestação de vontade do tomador do crédito, pelas formas admitidas na legislação em vigor.

Art. 6º As garantias constituídas no instrumento de abertura do limite de crédito servirão para assegurar todas as operações financeiras derivadas, independentemente de qualquer novo registro e/ou averbação adicional.

Art. 7º O registro das garantias constituídas no instrumento de abertura de limite de crédito deverá ser efetuado na forma prevista na legislação que trata de cada modalidade da garantia, real ou pessoal, e serão inaplicáveis os requisitos legais indicados nos seguintes dispositivos legais:

I – incisos I, II e III do caput do art. 18 incisos I, II e III do caput do art. 24 da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997;

II – incisos I, II e III do art. 1.362 incisos I, II e III do art. 1.424 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002; […]

 

Retirou-se, como se verifica do texto do Código Civil abaixo, itens previstos em relação à dívida constituída, não a garantia:

Art. 1.362. O contrato, que serve de título à propriedade fiduciária, conterá:

I – o total da dívida, ou sua estimativa;

II – o prazo, ou a época do pagamento;

III – a taxa de juros, se houver;

IV – a descrição da coisa objeto da transferência, com os elementos indispensáveis à sua identificação.

Art. 1.362. O contrato, que serve de título à propriedade fiduciária, conterá:

I – o total da dívida, ou sua estimativa;

II – o prazo, ou a época do pagamento;

III – a taxa de juros, se houver;

IV – a descrição da coisa objeto da transferência, com os elementos indispensáveis à sua identificação.

 Art. 1.424. Os contratos de penhor, anticrese ou hipoteca declararão, sob pena de não terem eficácia:

I – o valor do crédito, sua estimação, ou valor máximo;

II – o prazo fixado para pagamento;

III – a taxa dos juros, se houver;

IV – o bem dado em garantia com as suas especificações.

[…] art. 7º:

III – caput do art. 66-B da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965 .

Art. 8º A exoneração das garantias constituídas em instrumento de abertura de limite de crédito ocorrerá mediante sua rescisão ou após seu vencimento e desde que as operações financeiras derivadas tenham sido devidamente quitadas.

 

É causa de extinção do débito sua quitação das operações financeiras derivadas, o que exonera a garantia real sobre determinado bem. Assemelha-se muito às hipotecas de segundo e terceiro grau, com uma diferença: nestas, a hipoteca de primeiro grau impede à quitação da de segundo grau, somente extinta se a primeira houver sido solvida. Naquelas, a rescisão da primeira, está condicionada à quitação da derivada, que se constituiu posteriormente à oneração do bem em garantia.

Após pagamento do débito derivado, abre-se margem à extinção da garantia original, por rescisão ou termo legal.

Art. 9º Se, após a excussão das garantias constituídas no instrumento de abertura de limite de crédito, o produto resultante não bastar para quitação da dívida decorrente das operações financeiras derivadas, acrescida das despesas de cobrança, judicial e extrajudicial, o tomador e os prestadores de garantia pessoal continuarão obrigados pelo saldo devedor remanescente, não se aplicando, quando se tratar de alienação fiduciária de imóvel, o disposto nos §§ 5º e 6º do art. 27 da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997 .

Assim, diversamente do que consta na Lei n. 9.514, de 1997, em que o segundo leilão extrajudicial tem seu valor limitado ao valor venal ou, se maior, àquele estipulado como débito e seus acessórios, a instituição financeira poderá permitir a arrematação por qualquer valor do bem dado em garantia. O valor residual será cobrado do devedor para satisfação do crédito.

Art. 9º-A Fica permitido ao fiduciante, com a anuência do credor fiduciário, utilizar o bem imóvel alienado fiduciariamente como garantia de novas e autônomas operações de crédito de qualquer natureza, desde que contratadas com o credor fiduciário da operação de crédito original.   (Incluído pela Medida Provisória nº 992, de 2020)

A medida provisória 992, de 2020, permitiu ao fiduciante, em alienação fiduciária, o uso da garantia para novas e autônomas operações de crédito de qualquer natureza, contanto que sejam:

  1. constituídas perante o mesmo credor fiduciário (art. 9º-A, caput, da referida Lei), e esteja inserido no Sistema Financeiro Nacional (§ 1º, do art. 9º-A]
  2. o crédito se constitua em função do beneficiário ou sua entidade familiar, apresentada declaração a esta finalidade (art. 9º-A, § 2º).

§ 1º O compartilhamento da alienação fiduciária de que trata o caputsomente poderá ser contratado, por pessoa natural ou jurídica, no âmbito do Sistema Financeiro Nacional.   (Incluído pela Medida Provisória nº 992, de 2020)

§ 2º O fiduciante pessoa natural somente poderá contratar as operações de crédito de que trata o caputem benefício próprio ou de sua entidade familiar, mediante a apresentação de declaração contratual destinada a esse fim.   (Incluído pela Medida Provisória nº 992, de 2020)

A função registral se inicia com o protocolo de requerimento de averbação na matrícula do imóvel usado para garantir o primeiro débito.

Primeiro ponto é que dependerá da garantia celebrada entre o credor e o devedor a forma do ato praticado. A operação derivada é distinta da alienação fiduciária, que mantém a propriedade resolúvel.

A legislação contempla ato de registro ou averbação, de acordo com o direito real inscrito no fólio real. E, como a própria lei ressalta, aplicável por analogia, em seu artigo 7º, in verbis: “O registro das garantias constituídas no instrumento de abertura de limite de crédito deverá ser efetuado na forma prevista na legislação que trata de cada modalidade da garantia, real ou pessoal”.

Ademais, a Lei de Registros Públicos é especial, em relação a medida, o que justifica à sua adoção pelo intérprete, como a LINDB, art. 2º, § 2º, propugna.

.Art. 9º-B  O compartilhamento da alienação fiduciária de coisa imóvel deverá ser averbado no cartório de registro de imóveis competente.   (Incluído pela Medida Provisória nº 992, de 2020)

§ 1º  O instrumento de que trata o caput, que serve de título ao compartilhamento da alienação fiduciária, deverá conter:   (Incluído pela Medida Provisória nº 992, de 2020)

I – valor principal da nova operação de crédito;   (Incluído pela Medida Provisória nº 992, de 2020)

II – taxa de juros e encargos incidentes;   (Incluído pela Medida Provisória nº 992, de 2020)

III – prazo e condições de reposição do empréstimo ou do crédito do credor fiduciário;   (Incluído pela Medida Provisória nº 992, de 2020)

IV – declaração do fiduciante, de que trata o § 2º do art. 9-A, quando pessoa natural;   (Incluído pela Medida Provisória nº 992, de 2020)

V – prazo de carência, após o qual será expedida a intimação para constituição em mora do fiduciante;   (Incluído pela Medida Provisória nº 992, de 2020)

VI – cláusula com a previsão de que, enquanto o fiduciante estiver adimplente, este poderá utilizar livremente, por sua conta e risco, o imóvel objeto da alienação fiduciária;   (Incluído pela Medida Provisória nº 992, de 2020)

VII – cláusula com a previsão de que o inadimplemento e a ausência de purgação da mora, de que trata o art. 26 da Lei nº 9.514, de 1997, em relação a quaisquer das operações de crédito, faculta ao credor fiduciário considerar vencidas antecipadamente as demais operações de crédito contratadas no âmbito do compartilhamento da alienação fiduciária, situação em que será exigível a totalidade da dívida para todos os efeitos legais; e   (Incluído pela Medida Provisória nº 992, de 2020)

VIII – cláusula com a previsão de que as disposições e os requisitos de que trata o art. 27 da Lei nº 9.514, de 1997, deverão ser cumpridos.   (Incluído pela Medida Provisória nº 992, de 2020)

§ 2º  As operações de crédito, no âmbito do compartilhamento da alienação fiduciária, poderão ser celebradas por instrumento público ou particular, mediante a manifestação de vontade do fiduciante e do credor fiduciário, pelas formas admitidas na legislação em vigor, inclusive por meio eletrônico.   (Incluído pela Medida Provisória nº 992, de 2020)

§ 3º  As disposições do inciso II do caput do art. 221 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, aplicam-se à dispensa do reconhecimento de firmas e às operações garantidas pelo compartilhamento da alienação fiduciária.   (Incluído pela Medida Provisória nº 992, de 2020)

 

Art. 9º-C  Constituído o compartilhamento da alienação fiduciária, a liquidação antecipada de quaisquer das operações de crédito, original ou derivada, não obriga o fiduciante a liquidar antecipadamente as demais operações de crédito vinculadas à mesma garantia, hipótese em que permanecerão vigentes as condições e os prazos nelas convencionados.   (Incluído pela Medida Provisória nº 992, de 2020)

Parágrafo único.  Na hipótese de liquidação de quaisquer das operações de crédito garantidas por meio de alienação fiduciária de imóvel, caberá:   (Incluído pela Medida Provisória nº 992, de 2020)

I – ao credor expedir o termo de quitação relacionado exclusivamente à operação de crédito liquidada; e    (Incluído pela Medida Provisória nº 992, de 2020)

II – ao oficial do registro de imóveis competente fazer a averbação na matrícula do imóvel.   (Incluído pela Medida Provisória nº 992, de 2020)

 

Art. 9º-D  Na hipótese de inadimplemento e ausência de purgação da mora, de que trata o art. 26 da Lei nº 9.514, de 1997, em relação a quaisquer das operações de crédito, independentemente de seu valor, o credor fiduciário poderá considerar vencidas antecipadamente todas as demais operações de crédito contratadas no âmbito do compartilhamento da alienação fiduciária, situação em que será exigível a totalidade da dívida para todos os efeitos legais.   (Incluído pela Medida Provisória nº 992, de 2020)

§ 1º  Na hipótese prevista no caput, após o vencimento antecipado de todas as operações de crédito, o credor fiduciário promoverá os demais procedimentos de consolidação da propriedade e de leilão de que tratam os art. 26art. 27 da Lei nº 9.514, de 1997.   (Incluído pela Medida Provisória nº 992, de 2020)

§ 2º  A informação sobre o exercício, pelo credor fiduciário, da faculdade de considerar vencidas todas as operações contratadas no âmbito do compartilhamento da alienação fiduciária, nos termos do disposto no caput, deverá constar da intimação de que trata o § 1º do art. 26 da Lei nº 9.514, de 1997.   (Incluído pela Medida Provisória nº 992, de 2020)

§ 3º  Serão incluídos no conceito de dívida de que trata o inciso I do § 3º do art. 27 da Lei nº 9.514, de 1997, os saldos devedores de todas as operações de crédito garantidas pelo compartilhamento da alienação fiduciária.   (Incluído pela Medida Provisória nº 992, de 2020)

§ 4º  O disposto no § 5º do art. 27 da Lei nº 9.514, de 1997, não se aplica às operações garantidas pelo compartilhamento da alienação fiduciária, hipótese em que o credor fiduciário poderá exigir o saldo remanescente, exceto quando uma ou mais operações tenham natureza de financiamento imobiliário habitacional contratado por pessoa natural.   (Incluído pela Medida Provisória nº 992, de 2020)

§ 5º  O disposto no art. 54 da Lei nº 13.097, de 2015, aplica-se às contratações decorrentes do compartilhamento de alienação fiduciária.   (Incluído pela Medida Provisória nº 992, de 2020)

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