“A consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário é uma etapa intermediária do procedimento de execução extrajudicial da Lei nº 9.514/1997. Ocorrida a averbação da consolidação da propriedade em nome do credor, encerra-se a possibilidade de purgação da mora por parte do devedor, o qual perde definitivamente a possibilidade de readquirir o domínio da coisa por meio do cancelamento da alienação fiduciária em garantia. Por outro lado, a consolidação gera para o credor fiduciário a obrigação de realizar os leilões do imóvel, que fica indisponível enquanto não cumprida a obrigação legal de licitar em hasta pública.
O registro do contrato de alienação fiduciária constitui para o credor uma propriedade afetada. Dessa forma, estando o devedor inadimplente, a averbação da consolidação da propriedade em favor do credor fará com que ele adquira a propriedade de forma quase plena: ela não mais estará afetada, mas terá o ônus de ser levada a leilão extrajudicial.
Ressalta-se aqui, mais uma vez, a natureza sui generis da afetação da alienação fiduciária: muito embora ela se consolide em favor do credor, ele ainda não a terá de forma plena até que se realizem os leilões extrajudiciais para o exaurimento da dívida. Apenas será possível a aquisição plena antes dos leilões, quando as partes acordarem uma dação em pagamento, que substitui o contrato de alienação fiduciária.
Tecnicamente, portanto, a consolidação é o exato momento em que a propriedade deixa de estar afetada e transmite-se ao credor, que passa a ser proprietário quase pleno da coisa. Com o registro do contrato de alienação fiduciária, no princípio do acordo, ocorre apenas a afetação patrimonial, agora, diante do inadimplemento do devedor e com a averbação da consolidação, o imóvel passa ao domínio do credor.
É por tal motivo, inclusive, que o credor deverá recolher o ITBI, encargos e eventual laudêmio para a averbação da consolidação[1]. Quando ocorre a consolidação, o devedor deixa de ter qualquer relação real com o bem, que se transmitiu ao credor; e por existir a transmissão da propriedade, é necessário o pagamento dos encargos e impostos por parte do adquirente.
Caso ambos os leilões sejam negativos e averbados no Registro de Imóveis, o credor tornar-se-á proprietário pleno da coisa, podendo usar, fruir e livremente dispor do bem. Antes disso, porém, está vedado a prática de qualquer ato alienativo e de oneração diverso da arrematação em leilão.
A redação do art. 26, §7º da Lei nº 9.514/1997 determina que o ato a ser praticado para a consolidação do imóvel em favor do credor é o de averbação. Em razão disso, nas serventias extrajudiciais deverá ser praticado o ato averbatório, seguindo-se a previsão legal.
No entanto, discorda-se da natureza do ato. Isso porque, a consolidação, em sede de alienação fiduciária, gera uma verdadeira transmissão da propriedade para o credor. Ele que, até então, tinha somente o patrimônio afetado, passa a adquirir de fato o bem, de forma quase plena. O devedor deixa de ter qualquer relação real com o bem, que agora é de titularidade do credor, passando-se do patrimônio afetado a uma propriedade, onerada tão somente pela obrigação de realizar os leilões extrajudiciais.
Ocorrendo, então, a transmissão da propriedade, o ato correto a ser praticado deveria ser o de registro em sentido estrito, e não o de averbação, nos termos do art. 1.245 do Código Civil, o qual determina que a transmissão da propriedade inter vivos se dá por registro do título na serventia imobiliária.
Inclusive, a redação originária do §7º do art. 26 mencionado determinava a inscrição da consolidação por ato de registro[2], condizendo com a previsão do Código Civil. Alguns estados optaram por manter em suas normas de serviço a previsão originária do ato como sendo de registro[3].
Não se entende a modificação da natureza do ato proposta pela Lei nº 10.931/2004, que alterou a redação do parágrafo para determinar que a consolidação se dê por averbação na matrícula do imóvel, e não mais por registro. Alguns autores afirmam ser a mudança trazida correta, tendo em vista que a propriedade se consolidará pelo cancelamento da condição resolutiva, constituída em favor do credor fiduciário, “não havendo necessidade de constituição de nova propriedade”[4]. Todavia, não prevalece a tese de que a alienação fiduciária se caracteriza como uma propriedade resolúvel.
A alienação fiduciária, na verdade, constitui verdadeiro patrimônio de afetação, motivo pelo qual o credor não tem a propriedade do imóvel, que ficará simplesmente afetado ao cumprimento da obrigação do fiduciante até a quitação de todas as prestações devidas. O imóvel, neste caso, fica vinculado exclusivamente à obrigação do fiduciante, tornando-se inalienável e indisponível até a quitação total da dívida, de forma que a propriedade do credor fiduciário não ostenta todas as peculiaridades da propriedade resolúvel previstas nos arts 1.359 e 1.360 do Código Civil.
Dessa forma, muito embora respeite-se o texto legal, devendo a consolidação ser promovida no Registro de imóveis por meio do ato de averbação, discorda-se da opção legislativa. O ato correto a ser praticado deveria ser o de registro, em razão da transmissão da propriedade ocorrida com a consolidação.”
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Fonte: V.F. Kümpel, C.M. Ferrari, Tratado Notarial e Registral: Ofício de Registro de Imóveis, v. 5, tomo II, São Paulo, YK, 2020.
[1] Art. 26, §7º da Lei 9.514/1997
[2] Redação originária do art. 26, § 7º da Lei 9.514/1997: “Decorrido o prazo de que trata o § 1º, sem a purgação da mora, o oficial do competente Registro de Imóveis, certificando esse fato, promoverá, à vista da prova do pagamento, pelo fiduciário, do imposto de transmissão inter vivos, o registro, na matrícula do imóvel, da consolidação da propriedade em nome do fiduciário”
[3] Dessa forma é o Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça do Paraná, cujo art. 631, §1º, adota expressamente a natureza do ato como de registro: “Na comunicação ao credor fiduciário, o Registrador, desde logo, observará que o requerimento para registro da consolidação da propriedade em seu nome deverá vir instruído com a guia de recolhimento do ITBI e do valor devido ao FUNREJUS”.
[4] D. Gonçalves Coelho, Alienação Fiduciária de Imóvel – Pontos de atenção ao célere processo de excussão extrajudicial dessa garantia, in Revista de Direito Bancário e Mercado de Capitais, 78 (2017), p. 110.