Limitação à aplicabilidade do Prov. 77 do CNJ, corolário da súmula vinculante nº 13 do STF

Fernando Keutenedjian Mady

 

1.Os princípios da moralidade e impessoalidade são aplicáveis à Administração Direta e Indireta, conforme determinado pelo caput do art. 37 da Carta da República.

A primeira norma axiológica impõe ao intérprete ir além do princípio da legalidade. No exercício de função administrativa o agente público deve perseguir finalidades probas e se pautar em condutas éticas.

Conforme o mestre Celso Antônio Bandeira de Mello, acerca do princípio da impessoalidade, in verbis:

19. Nele se traduz a ideia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie. O princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia. Está consagrado explicitamente no art. 37, caput, da Constituição. Além disso, assim como “todos são iguais perante a lei” (art. 5º, caput), a fortiori teriam de sê-lo perante a Administração. (Curso de direito administrativo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 123-124).

Por outro lado, o princípio da impessoalidade impõe à Administração Pública uma atuação desprovida de interesses que não o público, sem haver predileções ou discriminações aleatórias, conforme o Professor José dos Santos Carvalho Filho: “O princípio objetiva a igualdade de tratamento que a Administração deve dispensar aos administrados que se encontrem em idêntica situação jurídica. Nesse ponto, representa uma faceta do princípio da isonomia. Por outro lado, para que haja verdadeira impessoalidade, deve a Administração voltar-se exclusivamente para o interesse público, e não para o privado, vedando-se, em consequência, sejam favorecidos alguns indivíduos em detrimento de outros e prejudicados alguns para favorecimento de outros” (Manual de direito administrativo. 30 ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 20-22).

 

2.Pelo novel Provimento 77/2018 do CNJ, a repulsa desse órgão de controle externo ao nepotismo, em suma, sempre se dá em relação a vínculo parental existente dentro da mesma serventia em que necessária a indicação de interino.

A presente norma de orientação administrativa está pautada na dicção do art. 236 da Constituição da República, segundo o qual: a atividade notarial e de registro, por estar sujeita a regime jurídico de caráter privado, é essencialmente distinta da exercida por servidores públicos, cujos cargos não se confundem. Nesse sentido: ADI 4140, Rel. Ministra ELLEN GRACIE, TRIBUNAL PLENO, DJe 19/9/2011 e ADI 2891 MC, Rel. Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, TRIBUNAL PLENO, DJ 27/6/2003.

Nos termos do art. 20, caput, da Lei 8.935/1994, “os notários e os oficiais de registro poderão, para o desempenho de suas funções, contratar escreventes, dentre eles escolhendo os substitutos, e auxiliares como empregados, com remuneração livremente ajustada e sob o regime da legislação do trabalho“.

Corrobora-se essas afirmações pelo teor da Súmula Vinculante n. 13/STF, “A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal“.

Este é o entendimento corrente nos tribunais superiores, a saber: “A finalidade da Súmula [SV-13/STF] é muito clara, qual seja, evitar nomeações diretas ou cruzadas de parentes, as quais presumidamente envolvem escolhas pessoais em detrimento dos princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência administrativa (CF, art. 37, caput), assim como da garantia fundamental da igualdade de chances (Chancengleichheit)” (voto do em. Ministro GILMAR MENDES, proferido na Rcl 18.564, Rel. p/ Acórdão Ministro DIAS TOFFOLI, SEGUNDA TURMA, DJe 2/8/2016).

Em outro momento a Corte Constitucional assim se manifestou, in verbis: A redação do enunciado da Súmula Vinculante nº 13 não pretendeu esgotar todas as possibilidades de configuração de nepotismo na Administração Pública, uma vez que a tese constitucional nele consagrada consiste na proposição de que essa irregularidade decorre diretamente do caput do art. 37 da Constituição Federal, independentemente da edição de lei formal sobre o tema” (Rcl 1.5451-AgR/RJ, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, TRIBUNAL PLENO, DJe 2/4/2014).

 

2.1. Em contrapartida, essa vedação não atinge o substituto mais antigo de serventias, se possuir vínculo de parentesco com titular de outra unidade em mesma comarca. Nos termos da jurisprudência do STJ, in verbis:  “Direito constitucional. Administrativo. Recurso ordinário em mandado de segurança. Atividade notarial e de registro. Renúncia do titular. Designação de interino. Art. 39, § 2º, da lei n. 8.935/94. Preterição da escrevente substituta mais antiga. Alegação de parentesco com delegatário de outra serventia sediada na mesma comarca. Óbice previsto no art. 107, § 4º, do código de normas da corregedoria-geral da justiça de santa catarina. Art. 37 da cf e súmula vinculante n. 13 do stf. Superveniência do provimento/cnj n. 77, de 7/11/2018. Interpretação sistemática. Inexistência de nepotismo ou ofensa aos princípios da moralidade e da impessoalidade administrativa. Motivo determinante. Razoabilidade. Recurso provido. Segurança concedida. Ato coator anulado”. Recurso em Mandado de Segurança nº 59.024 – SC (2018/0270484-7) Relator : Ministro Sérgio Kukina.

 

3.A atuação fora dessas normas axiológicas do regime jurídico administrativo exige motivação, exposta no ato que exclui a sua incidência. Em regra, a motivação do ato administrativo deve ser explícita, clara e congruente, vinculando o agir do administrador público e conferindo o atributo de validade ao ato. Viciada a motivação, inválido resultará o ato, por força da teoria dos motivos determinantessendo inteligência do art. 50, § 1.º, da Lei n. 9.784/1999.

 

Não é impossível aplicar ampliativamente a regra da Súmula Vinculante nº 13 da Suprema Corte. Porém o agente, no exercício de sua função, deve se pautar em norma constitucional e lei para regular situações especiais; e mais, expor no conteúdo do ato os fatos e os fundamentos que levaram à atuação atípica.

 

 

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