“O registro civil tem um caráter eminentemente instrumental, decorrente da sua especial relevância na consecução de certos bens jurídicos de cunho fundamental. Em linhas gerais, o registro civil tem por escopo a justiça social (fornece substrato estatístico para a elaboração de políticas públicas) e a justiça comutativa (viabiliza o exercício da cidadania, a partir do qual decorrem todos os demais direitos sociais e individuais)[1]”.
Cidadania
“O registro civil atende a uma justiça comutativa, na medida em que considera o cidadão de per se. Vale dizer, o pensamento gira em torno da pessoa enquanto indivíduo, considerado na sua própria unidade. Trata-se, por conseguinte, de tutela individual, onde cada pessoa gravita em si mesma, prestigiando-se a noção de estado da pessoa natural, ou seja, todos os atributos da personalidade que são imanentes e que acompanham o sujeito de direitos por toda sua vida[2].
No que toca ao aspecto da justiça comutativa, sua presença na ontologia do Registro Civil das Pessoas Naturais decorre do fato de que é ele, dentre as serventias extrajudiciais, aquela que recebeu por atribuição, como já analisado, conferir publicidade aos principais aspectos do estado da pessoa natural, atribuindo autenticidade e segurança aos atos e fatos que nele influam”.
“É nesta especialidade registral onde se encontra, de forma segura e autêntica, o verdadeiro histórico da pessoa natural, desde o seu nascimento até a morte, e se pode verificar a certeza do estado civil da pessoa física, assim como da sua capacidade.
Nessa acepção, pode-se afirmar que o registro civil das pessoas naturais tem como bem jurídico fundamental a cidadania[3], já que viabiliza o exercício de direitos sociais, civis, educacionais, culturais, trabalhistas, previdenciários, dentre todos os demais direitos fundamentais da pessoa natural”.
“Conclui-se, diante dos efeitos direitos na vida da pessoa natural trazidos pelo registro civil, que a serventia do Registro Civil das Pessoas Naturais constitui a “base” para o efetivo exercício dos direitos básicos da pessoa natural, norteadores da dignidade da pessoa humana e indispensável ao exercício dos direitos de cidadania”.
Planejamento Público
“O registro civil pode ser considerado também, hoje, um instrumento de estatística indispensável para a implementação de políticas públicas[4]. De fato, os dados extraídos dos registros, averbações e anotações efetuados nos livros públicos alimentam as estatísticas estatais, propiciando, aos órgãos públicos, um melhor conhecimento sobre a população civil.
Este conceito diz respeito à tutela difusa, e busca uma justiça geral ou social, afinal, tais dados permitem ao Estado um planejamento mais racional e estratégico da gestão de recursos públicos[5]”.
“Com efeito, por meio dos dados coletados em todos os registros civis do país, é possível a implementação de políticas difusas a fim de melhorar o índice de desenvolvimento humano da população brasileira[6]”.
Segurança jurídica
“O Registro Civil visa garantir a segurança jurídica por meio da publicidade que confere aos fatos nele assentados. De fato, o registro civil figura como um sistema de provas pré-constituídas, permitindo a oponibilidade erga omnes das informações nele assentadas”.
Fonte: KÜMPEL, Vitor Frederico et. al., Tratado Notarial e Registral vol. II, 1ª ed, São Paulo: YK Editora, 2017, p. 332/337.
[1] Para W. Ceneviva, Lei dos Registros Públicos Comentada, 18ª ed, São Paulo, Saraiva, 2008, pp. 37-38, a publicidade registraria teria uma tríplice função em nosso ordenamento, quais sejam: a) de transmitir o conhecimento da informação do direito correspondente ao conteúdo do registro a terceiros interessados ou não interessados; b) de sacrificar parcial da privacidade e intimidade das pessoas, informando bens e direitos que esta possua a benefício das garantias advindas do registro; c) de servir para fins estatísticos, de interesse nacional ou fiscalização pública”.
[2] L. G. Loureiro, Registros Públicos: teoria e prática, 6ª ed., São Paulo, Método, 2014, p. 33, ensina que o Registro Civil das Pessoas Naturais “tem como foco a pessoa física ou natural, vale dizer, o indivíduo, o ser humano, tal como ele é levado em consideração pelo direito. Cabem ao registrador civil o registro e a publicidade de fatos e negócios jurídicos inerentes à pessoa física, desde seu nascimento até sua morte, tendo em vista que tais fatos e atos repercutem não apenas na esfera do indivíduo, mas interessam a toda a sociedade”.
[3] A etimologia da palavra cidadania vem do latim civitas, cidade, tal como cidadão (ciudadano ou vecino no espanhol, ciutadan em provençal, citoyen em francês). Em como palavra-raiz “cidade”. cidadania. Esta, de fato, não se restringe ao exercício de direitos políticos, possuindo uma conotação muito mais ampla, de “direito a ter direitos”, englobando assim os direitos civis, políticos, sociais, coletivos, difusos e todos os demais que vierem a ser conquistados pelo homem. Nesse sentido, “o homem privado de cidadania não tem sequer direito de ter direitos.” – O. Q. Assis – V. F. Kümpel, Manual de Antropologia Jurídica, São Paulo, Saraiva, 2011, p. 245.
[4] Nas palavras R. F. M. Fernandes, Registro cit. (nota * supra), pp. 31-32, a certidão de nascimento é o “primeiro documento básico de cidadania”, sendo o Registro Civil das Pessoas Naturais “a primeira porta para o exercício da cidadania, possibilitando a inserção do indivíduo em seu meio a partir do seu registro de nascimento, quando ele passa a existir juridicamente, bem como estabelecendo o vínculo parental, através do liame de filiação”.
[5] M. C. Camargo Neto – M. S. Oliveira, Registro Civil das Pessoas Naturais I – parte geral e registro de nascimento, in C. Cassetari (coord.), Coleção Cartórios, São Paulo, Saraiva, 2014, p. 23.
[6] De acordo com W. Ceneviva, Lei dos Registros cit. (nota * supra), p. 38: “A publicidade registraria se destina ao cumprimento de tríplice missão: (…) c) serve para fins estatísticos, de interesse nacional ou de fiscalização pública”.