STJ: Direito real de habitação pode ser estendido a filho incapaz, decide Terceira Turma

📌 Ementa – REsp 2.212.991 (STJ, 3ª Turma)

Direito Civil. Sucessões. Inventário. Direito Real de Habitação. Herdeiro incapaz. Interpretação extensiva. Garantia de moradia. Proteção da dignidade humana. Prevalência sobre o direito de propriedade.

  1. Contexto fático:
    • Ação de inventário envolvendo um único imóvel deixado como herança a seis filhos.
    • Um dos herdeiros, que é também o curador do irmão com esquizofrenia, pleiteia a concessão do direito real de habitação em favor do irmão incapaz.
  2. Decisão das instâncias inferiores:
    • Indeferimento do pedido com base na literalidade do artigo 1.831 do Código Civil, que confere o direito real de habitação apenas ao cônjuge ou companheiro sobrevivente.
    • TJ/AL entendeu que a interpretação extensiva prejudicaria os demais herdeiros com igual vocação hereditária (art. 1.829 do CC).
  3. Tese acolhida pelo STJ:
    • Direito real de habitação pode ser estendido ao herdeiro vulnerável, em especial quando há risco de violação ao direito fundamental à moradia (art. 6º da CF).
    • A função protetiva do instituto permite interpretação ampliativa em situações excepcionais, visando à dignidade da pessoa humana e à proteção das vulnerabilidades.
  4. Fundamentação da relatora, Min. Nancy Andrighi:
    • O direito de moradia prevalece sobre o direito de propriedade em casos de conflito, pois não afeta a titularidade do bem, mas apenas assegura o uso para fins de residência.
    • A exclusão do herdeiro incapaz da residência poderia comprometer sua subsistência e agravar sua condição de vulnerabilidade.
    • A inexistência de dependência econômica dos demais herdeiros reforça a possibilidade de aplicação excepcional do direito de habitação.
  5. Conclusão:
    • Recurso especial provido para reconhecer, em caráter excepcional e protetivo, o direito real de habitação ao herdeiro com deficiência (esquizofrenia), mesmo sem previsão legal expressa, garantindo-lhe a permanência no imóvel que habitava com os pais.

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Leia abaixo a decisão completa:

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o direito real de habitação, assegurado por lei ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, pode ser estendido ao herdeiro vulnerável, a fim de ser garantido seu direito fundamental à moradia. Com essa posição, o colegiado decidiu que um homem com esquizofrenia pode continuar morando no mesmo imóvel em que vivia com os pais e um de seus irmãos.

O recurso julgado teve origem em ação de inventário que discute a partilha de um único imóvel deixado como herança pelos pais aos seis filhos. O inventariante – que também é um dos herdeiros e curador definitivo do irmão incapaz – pediu a concessão do direito real de habitação em favor do irmão sob curatela, devido à situação de extrema vulnerabilidade.

As instâncias ordinárias, entretanto, rejeitaram o pedido sob o fundamento de que esse instituto jurídico assegura a moradia apenas ao cônjuge ou companheiro sobrevivente. Ao manter a sentença, o Tribunal de Justiça de Alagoas ressaltou que não é possível adotar interpretação extensiva, sob pena de prejudicar os direitos daqueles que se encontram na mesma ordem de vocação hereditária prevista no artigo 1.829 do Código Civil.

Em recurso especial, o inventariante reiterou a necessidade de se ampliar o alcance do direito real de habitação para garantir a dignidade e o direito à moradia para o herdeiro vulnerável.

Mesmo sem previsão legal específica, instituto beneficia herdeiro vulnerável

Segundo a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, a natureza protetiva do direito real de habitação permite que ele também seja reconhecido para outros integrantes do núcleo familiar, quando se veem privados de local para residir em razão do falecimento do autor da herança.

A ministra explicou que a interpretação ampliativa do instituto é importante para garantir a dignidade do herdeiro incapaz, considerando que a proteção das vulnerabilidades é uma premissa do direito privado atual.

“Partindo-se do pressuposto que o fundamento do direito real de habitação consiste em conceder ao beneficiário a proteção de um direito fundamental à moradia, parece possível a sua flexibilização em contextos além do previsto pela norma”, observou.

Direito à moradia deve prevalecer sobre o de propriedade

Ao analisar o conflito entre o direito de propriedade dos herdeiros capazes e o direito de moradia de herdeiro vulnerável, Nancy Andrighi apontou que o segundo deve prevalecer. Isso porque a propriedade do bem já é assegurada a todos eles e o direito real de habitação apenas concede fração de uso para moradia, não intervindo na esfera de propriedade do imóvel.

Além disso, a ministra comentou que o herdeiro vulnerável, caso seja afastado da residência que compartilhava com os pais, poderá enfrentar dificuldade para encontrar nova moradia, devido à condição que o impede de garantir, por conta própria, sua subsistência.

Por fim, a relatora lembrou que os demais herdeiros são maiores e capazes, e não há no processo informação de que viviam naquele imóvel ou dependiam economicamente dos pais.

“Logo, na situação examinada, deve-se permitir a ampliação do direito real de habitação em benefício do herdeiro com vulnerabilidade, a fim de garantir-lhe o direito social à moradia, privilegiando-se sua proteção e dignidade”, concluiu a relatora ao dar provimento ao recurso especial.

Leia o acórdão no REsp 2.212.991.

Fonte: Superior Tribunal de Justiça