Com base no princípio da proteção integral, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ determinou o início imediato do processo para colocação, em família substituta, de três crianças que estão em abrigo institucional há mais de cinco anos. O abrigamento foi determinado em razão de sucessivos episódios de negligência dos pais, incluindo insalubridade do lar, uso de drogas e distúrbios psiquiátricos.
A advogada Silvana do Monte Moreira, presidente da Comissão Nacional de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, avalia a decisão positivamente. Para ela, “a morosidade do Judiciário trabalha contra o superior interesse das crianças”.
“O não cumprimento dos prazos estabelecidos no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/1990) precisa, urgentemente, ser punido. São vários prazos não cumpridos: 120 dias para a tramitação do processo de destituição do poder familiar (art. 163: ECA); o tempo máximo de permanência em serviço de acolhimento é 18 meses (art. 98: ECA), entre outros”, aponta.
Em virtude das peculiaridades do caso, o STJ pediu que o Conselho Nacional de Justiça – CNJ acompanhe o procedimento de colocação das crianças em família substituta. Antes disso, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG havia ordenado a realização de estudo técnico multidisciplinar e a oitiva dos pais.
Reintegração com a família biológica
De acordo com os autos, além das péssimas condições a que as crianças estavam submetidas antes do acolhimento, o pai não as registrou, enquanto a mãe desistiu do acompanhamento psicológico e psiquiátrico proposto pela Justiça.
Para o ministro Moura Ribeiro, as provas anexadas aos autos demonstram que, por diversas vezes, o Judiciário e a rede de assistência social tentaram reintegrar a família. Essas medidas, contudo, não tiveram sucesso “em virtude de conduta, no mínimo, negligente dos genitores, que não aceitaram ajuda e intervenção dos vários órgãos sociais envolvidos”.
Além disso, os relatórios apontam que os genitores não visitam as crianças há mais de um ano e deixaram de atender aos chamados da Justiça para resolver a questão.
“O longo período de abrigamento é manifestamente ilegal e prejudicial aos interesses dos infantes, pois o próprio artigo 163 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA dispõe que o procedimento para perda e suspensão do poder familiar deverá ser concluído no prazo máximo de 120 dias, e que caberá ao juiz, no caso de notória inviabilidade de manutenção do poder familiar, dirigir esforços para preparar a criança ou o adolescente com vistas à colocação em família substituta”, alertou o ministro.
O processo de colocação em família substituta
Silvana do Monte Moreira explica que o processo de colocação das crianças em família substituta leva em conta o perfil dos habilitados. Posteriormente, os adotantes as conhecem em uma visita pública.
“Se houver o aceite, iniciam-se as visitações direcionadas àquelas crianças, com maior interação. Seguindo esses contatos de forma favorável às crianças e aos adultos envolvidos, as crianças podem ir em passeios, almoços, etc. Posteriormente, o juízo autoriza o pernoite em finais de semana. Tudo isso para pessoas residentes na mesma comarca. Em sendo pessoas de comarcas distantes, esses contatos iniciam-se de forma virtual e findam com convivência de 10 a 15 dias. O fim desse processo de ‘conhecimento’ é a concessão da guarda provisória para fins de adoção”, afirma.
“Dado o histórico de tentativas inadequadas de reinserção na família de origem, da busca de laços biológicos despidos de afeto e cuidado, entendo que esse período deve ser longo, nada açodado, para que as crianças se sintam seguras”, ela analisa.
Futuro roubado
A advogada avalia que a decisão do STJ é de grande valor para outros casos parecidos. Ela afirma que crianças e adolescentes no acolhimento estão tendo sua infância e futuro “roubados”.
“Crianças em acolhimento são invisíveis, não são vistas pela sociedade, não têm voz, não votam, não são economicamente ativas. É preciso dar um basta nessa situação absurda e parar de buscar uma avó que nunca viu o neto, um tio que sequer sabia da existência dos sobrinhos”, ela pontua.
“Os laços biológicos já deixaram de ser sinônimo de afeto há séculos. O afeto é construído com responsabilidade e desejo. Somos, todos, todas e todes, seres desejantes”, conclui.
Fonte: STJ